O Quintal
Olho a folha seca que cai lenta. O vento sopra suavemente, vetinho gostoso de tarde linda. Canto de pássaros, farfalhar de folhas, o ciscar das galinhas.
Sentado à sobra das limeiras, pensando na vida, é que noto o quanto mudou o quintal. Tanta coisa diferente que até me assusto. Os anos passaram rápidos, que até me esqueci de deixar de ser criança. Livre, brincando com a natureza.
Fico observando o quintal canto a canto. Os abacateiros já vão espaço a fora, e a jabuticabeira deixou um pouco de ser anã. As bananeiras diminuíram, as goiabeiras também. As guarirobas e os bacuris cresceram e aumentaram. O enorme gramado, as galinhas devoraram. O mato cresceu junto aos muros, encobrindo-os e esverdeando a paisagem. O buraco que furamos quando pequenos, para se tornar caverna, quase não existe mais. Lixo e folhas secas enchem-no. Onde antigamente era horta, agora, buracos de alicerce de casa, mal começados. Limões caem e me fazem observar que o limoeiro continua o mesmo, apenas mais velho. E bem perto, quase encobertos pela bela parreira, restos de um viveiro de pombos, onde gostava de conversar sozinho. Uma das duas árvores de campo ainda é comprida, sem alguns galhos e a pequena colmeia de "jataís", que caiu com ventanias. As abelhinhas partiram. Das mamoneiras, nem sinal. E o galinheiro, antes tão bem arrumado, com chocadeira e ninhos-escamoteadores, viveiros para pintinhos e galos de raça, todo caído aos pedaços, feio e triste. As gaiolas dos coelhos apodreceram ao tempo, sendo que ainda uma comporta pintainhos. Era bonita a coelheira. Mais de cem coelhos, várias raças, que foram aos poucos acabando, até não ficar um. A amoreira ao lado continua, e também a outra, mais no fundo do quintal. Abacaxi não existe mais. O chuchueiro dá lugar ao mato, e tenta subir numa das goiabeiras. Os "são caetanos" e maracujás acabaram faz tempo. Das enormes e firmes "mama-cadelas" resta uma pobrezinha. As mexeriqueiras cresceram e pendem de tão carregadas de frutos. Os cajueiros, vermelho e amarelo, secos e tristonhos, esperam pelos seus. Junto ao galinheiro, esbelta, localiza-se ainda (não muito velha) a caneleira. E das mangueiras duas já foram cortadas para sempre. Três ainda firmes. E minha pobre mangueira, após ser cortada duas vezes, está feia, cheia de tristeza. Perdeu toda a sua beleza, está cada vez mais perto de seu fim.
O cachorro, quase do tempo de minha infância, está deitado perto de mim. Atencioso e bonito o feroz rei do imenso quintal. Minha bela gata ronrona encostada em minhas pernas, e tenho de dar-lhe atenção. Pareço um velho descansando numa "espreguiçadeira". Ela sobe em meu colo e me faz carinhos. Foi criada com mamadeira, rede para dormir, bolinha para brincar; como criança. E hoje é a rainha desse quintal cheio de recordações, que agora vejo transformado. A natureza da qual faço parte. E não sei como poderei me separar dela, sabendo que nela aprendi a viver, a sofrer, a sentir o quanto vale a Mãe-Terra. E posso dizer sem medo: esse quintal é meu próprio eu.
É o quintal da ex-rua São Miguel, do número 1023.
Maurício Apolinário
(Extraído do livro "Um prato
de comida")