Amigos de Infância *
Podia vê-lo muito bem de onde estava, totalmente elegante num terno preto, estilo italiano, sentado na área reservada do restaurante, acompanhado de uma linda mulher, igualmente bem vestida, pareciam astros de cinema.
Olhando para Marcos, tão próspero agora, não posso deixar de recordar a nossa infância, a pobreza nunca nos impediu de ser felizes, mesmo sem ter brinquedos, inventávamos as melhores brincadeiras, éramos felizes com o que tínhamos.
Sempre juntos, caminhávamos descalços até a escola, correndo e rindo, machucando os pés nas pedras do caminho, mantendo nosso material escolar doado, apertado junto ao corpo, como se fosse um tesouro.
Tanto tempo se passou e agora posso ver como ele teve mais sorte na vida do que eu.
Gostaria tanto de poder me aproximar, mas não saberia o que dizer. Se é que alguém como ele daria atenção a um reles garçom, provavelmente não.
O restaurante vai se enchendo conforme as horas passam sons de conversa e alguns risos, ao fundo uma música suave e o gostoso cheiro de comida francesa. Isso me faz lembrar às vezes em que encostávamos o rosto na vidraça dos restaurantes chiques da cidade, só para ver as pessoas finas lá dentro e sonhar... E quando nos expulsavam com rudeza e eu chorava de humilhação,ele dizia que eu não devia me importar, pois um dia iríamos entrar em qualquer restaurante e pedir o que quiséssemos. E ele estava certo, em parte, enquanto ele pode jantar o prato mais caro daqui, meu salário mal pagaria o mais barato.
Tenho tanto trabalho para fazer, o restaurante está lotado, mas não consigo me mexer; o gerente já chamou minha atenção duas vezes, estou arriscando o único emprego que consegui, após anos de dificuldades, só para não mostrar ao meu grande amigo de infância que falhei e não fui capaz de realizar nossos sonhos de juventude.
Meu maior problema, sempre foi achar que poderia conseguir tudo de forma fácil e enquanto Marcos se dedicava ao trabalho árduo e aos estudos, eu tinha pressa, achava que estudar era bobagem, era ganancioso, me envolvi com quem não devia e foi isso que nos distanciou.
Ele acena para mim, finjo que não vejo, o gerente se aproxima de sua mesa,ouve o que ele tem a dizer, faz um sinal me chamando,entro em pânico e saio correndo,derrubando copos e pratos pelo caminho,nada mais me importa,preciso fugir...
Fico vagando pelas ruas por horas, tentando me livrar daquela sensação de vergonha, que eu sei que não deveria sentir, posso não ser rico, mas sou honesto agora, não precisava ter me comportado daquele jeito, tenho que parar de me esconder e aprender a enfrentar as coisas como elas são.
No dia seguinte, cansado devido noite agitada, voltei ao trabalho e como não fui despedido, retomei minha rotina, a partir de agora, agiria somente como profissional. Estava limpando as mesas,quando vi Marcos me olhando pela vidraça, senti um nó na garganta, mas segui em frente, fui ao seu encontro e assim ficamos parados, sem coragem para falar, a distância dos anos tentando nos separar novamente... Por que nos calamos justamente quando temos tanto a dizer?
De repente, sem saber como, começamos a rir da situação e voltamos a ser meninos, nos abraçamos e começamos a conversar, como se nunca houvéssemos nos separado, éramos novamente os melhores amigos, não havia mais distância e não podíamos estar mais felizes.
Naquele momento, descobri que não tinha somente me distanciado dele ou dos sonhos do passado, eu tinha me distanciado de mim e acabo de me encontrar novamente.
*Conto premiado com Menção Honrosa no III Concurso de Poesias,Contos e Crônicas de Jacareí “Troféu Jacaré” 2011.