Tempo Novo

Já Toffler tinha anunciado. Depois do ano 2000 só trabalhariam os muito aptos, escreveu. Muito aptos para os novos processos de trabalho, de produção, de controlo, de comunicação, entenda-se. E…depois de vários sustos, ameaças, dias a fio sem lhe distribuírem trabalho, anunciaram o seu despedimento. A Lei mudara. Já não havia necessidade de justa causa, aliás nem era preciso aludir a causa alguma. Arrumou as gavetas, devolveu a tesoura que na sua mão estivera trinta anos, o agrafador, o corta papel, esferográficas e lapiseiras e viu o colega atirar tudo para o lixo. Todas as muitas coisas que tinha de fazer antes e eram urgentes, importantes, imprescindíveis, de repente, deixaram de ser necessárias. O Arquivo fora digitalizado e destruído o que havia em suporte de papel, a fotocopiadora só muito pontualmente funcionava e já ninguém lhe pedia que fosse buscar um café. A máquina colocada nos Serviços produzia, aromático e barato, um bom café. Recordou o esforço que fizera para se adaptar, o curso de informática que, antes de terminar, já estava fora de uso, o computador antigo que recuperaram do armazém para ela trabalhar, as descobertas que foi fazendo, sozinha, nesse vasto mundo de mistérios e racionalidade. Não chegou. A competição e o pavor de serem dispensados tornara pessoas amorosas em verdadeiros títeres, colegas e amigos em adversários, a alegria do trabalho em equipa em sórdido labor isolado, recheado a traição e truques baixos. Medo, solidão, escravatura, cinismo. Aos cinquenta anos, o desencanto e a dor. Não se despediu, arrastou a bolsa carregada com as suas coisas, fechou a porta e saiu. No átrio cruzou-se com o diretor e ele baixou os olhos. As lágrimas corriam. No dia seguinte, quando se inscrevia no desemprego, a senhora que a atendeu parecia ler nos seus olhos a história inteira, repetida, gasta, vulgar. Parou para pensar e disse-lhe: - Tenho um pedido que acabou de chegar. Uma clínica veterinária pede colaboração à experiência. Lavagem, tosa, cuidados clínicos predominantemente a cães e gatos. Interessa-lhe? Pagam bem e prometem a contratação definitiva se o trabalho for empenhado e competente. Aceitou. Quem diria que poderia ser feliz a cuidar de animais? Quem adivinharia que a alegria lhe voltaria, mais forte e genuína, por ajudar seres indefesos? Depois, rapidamente, o curso acabou. Hoje dirige a Clínica onde entrou só para ajudar.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 05/01/2015
Código do texto: T5091335
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