O caso do basculante
O Cacá não era empregado de Seu Rodrigo. Era, na verdade, um prestador autônomo de serviços. Hábil na colher de pedreiro, Cacá andava de casa em casa fazendo reformas ou mesmo erigindo pequenos puxadinhos. O negro – forte, um tanto gordo, dentes muito claros a exibir o sorriso simpático – chegava às obras – sempre acompanhado de um auxiliar – e não desperdiçava oportunidade de exibir sua simpatia. Era a solicitude em pessoa e sempre alegrava o serviço com muitos causos. Um boa praça, todos diziam.
Seu Rodrigo o contratara para construir um quartinho de despejos, trabalho pequeno, que a habilidade e a disposição do homem dariam por completo em poucos dias. Entijolamento e laje prontos, seu Rodrigo mandara vir a porta e se preparava para encomendar o basculante ao serralheiro, quando Cacá lhe fez a oferta:
– Se quiser tenho um basculante muito bom, quase novo, que posso vender pro senhor por um precinho de amigo.
–Traga-me, que fazemos o negócio.
No dia seguinte, pela manhã, o negro – que não morava longe – trazia às costas o basculante, pintado de novo e por um precinho especial, de derrubar serralheiro estabelecido. Negócio feito. Mãos à obra. Mais dois, três dias, e Cacá partiria para outros serviços, deixando a casa de seu Rodrigo mais confortável.Tudo muito benfeito, segundo a opinião de quem viu.
Recebendo em casa o irmão Jacinto, o seu Rodrigo vai lhe apresentar o quartinho, recém-inaugurado:
– Veja, quem fez foi o Cacá. Você conhece?
– Claro... Já trabalhou lá em casa. Uma simpatia. Pena que...
– Deu-lhe problemas?
– Andou me levando uns sacos de cimento... Ficou no sobrepreço.
– Aqui não , felizmente. Até me vendeu o basculante, por um preço muito bom.
Jacinto, então, foi inspecionar a peça vendida e deu o seu veredicto:
– Epa... O basculante é seu. Esta ferrugem na alavanca não me engana. Ele estava lá na sua granjinha... Há pouco tempo eu vi esta peça lá, bem guardada, naquele quartinho de sobras de obra. O Cacá esteve por lá?
– Paramos aqui; ele foi até lá para uma pequena reforma.
Foram até a granjinha e a suspeita se confirmou.
– Vai denunciar à polícia? – perguntou Jacinto.
– Que nada! Ele me furtou, mas não explorou!