Fúria sem fim
Sentado no ônibus ao lado de uma moça que lia seu livro, ele sem ter o que fazer e com quem falar, resolveu uma conversa começar.
_ Oi, desculpe a intromissão, é que não pude deixar de ver a capa do seu livro e perceber que este é o livro que estou querendo ler.
_ Sério? Que legal! – disse a moça de cabelos castanhos com sorriso no rosto.
_ Sim, e então está gostando do livro? – perguntou ele que nem sabia que livro era aquele e nem o autor, mas num relance de capa viu que se chamava Tempestade na Praia.
_ É muito bom, o James escreve muito bem.
_ É mesmo, James... – pelo menos agora sabe o nome – James Jansen é bom mesmo. – Jansen foi o sobrenome que lhe veio a cabeça.
_ Jansen? Acho que você se enganou, esse é James Charlton. – corrigiu ela.
_ Que falha minha, como ia me enganar, Jansen é o sobrenome de Robert, autor de Fúria sem Fim. – inventou ele.
_ Robert Jansen? Fúria sem fim? Não conheço nem autor, nem livro. – estranhou a moça.
_ É que o Robert é um autor novo nesse ramo, pouca gente conhece ele, e aliás, ele é europeu. – disse o homem querendo demonstrar certeza do que diz.
_ Ah! Entendi! E sobre o que ele escreve?
_ O que ele escreve?
_ Sim!Como são as estórias dele, os temas? – perguntou a moça começando a desconfiar.
_ O Robert gosta de descrever,contar sobre o comportamento humano, seus limites, até onde é capaz de ir, esse tipo de coisa. – disse o homem quase suando frio, nunca mentiu tanto.
_ Interessante, acho que vou ler então.
_ Só digo uma coisa, será meio difícil você encontrar. – disse ele querendo livrar-se da sua mentira.
_ Por quê?
_ Porque como ele ainda é novo tanto aqui, como lá na Holanda, donde ele é, as tiragens por enquanto são exclusivas pros sócios da editora, então só quem tem contato forte é que consegue.
_ Que coisa, e você tem contato forte com a editora?
_ Eu?.. Ah eu não, mas meu primo tem, é representante da editora Van Merden aqui no Brasil e ele está procurando uma editora que possa fazer impressão, tradução, essas burocracias. – contou ele querendo sair pela tangente.
_ Ah entendi, mas que pena, me interessou tanto esse Robert. – disse ela, percebendo que tudo aquilo era mentira, mas preferiu entrar no jogo só pra saber até onde ele ia.
_ Nossa, como esse ônibus é lento, não é? – cortou ele pra tentar mudar de assunto, afinal tinha entrado num mato sem cachorro.
_ Mas me diz uma coisa, se o livro mal tem aqui, então deve estar escrito em holandês, ou no máximo em inglês, você sabe essas duas línguas?
_ Imagina, eu mal falo inglês, holandês nem tenho idéia, foi meu primo que conseguiu uma amostra, ele trouxe uns cinco livros pra mostrar pras editoras, e um deles deu pra mim. – respondeu com o coração quase saindo pela boca.
_ To vendo que seu irmão é muito legal contigo, gostaria de ter um primo assim.
_ O Lucas é demais mesmo, ele insistiu pra caramba pra que eu ficasse com o livro e depois devolveria.
_ E você já leu?
_ Sim, terminei ontem. – respondeu ele sem saber no que aquilo poderia dar.
_ Se você já leu, então poderia me emprestar. – disse ela com uma voz levemente sedutora, mas no fundo querendo testa-lo e faze-lo cair em contradição.
_ Não posso, tenho que devolver.
_ Ahh! Eu faria qualquer coisa pra ler. – provocou a moça encostando seu rosto mais próximo dele.
_ Não faz isso. – disse ele lamentando todas as mentiras.
_ Faço sim, porque senão eu ficaria com uma fúria sem fim. – provocou ainda mais.
_ Nossa, olhe ali, já está pronto a nova livraria, demorou um tempão pra construir, ela é imensa.
_ Não quero livraria, quero seu livro.
_ Não dá.
_ Não dá porque você não quer, ou porque ele não existe? – disse jogando-o contra a parede.
_ Nenhum dos dois, porque acabei de descobrir que passei do meu ponto e tenho que descer agora.
_ Jura? Que pena! Mas também é sorte, porque o próximo é o meu ponto. Vamos descer juntos!
_ Que coisa,né? Vou ter que sair correndo pra pegar um ônibus que está vindo atrás de nós, olha foi um prazer te conhecer.
_ O prazer seria todo meu, afinal teria o enorme prazer de ler a sua Fúria... – seduziu ainda mais, já nervosa com tudo aquilo.
_ Vai ficar pra depois.
Os dois desceram do ônibus e ao se separarem ela disse:
_ Da próxima vez fale de um livro que já exista, ta bom?
Ele ouviu e saiu se mordendo todo, estava numa fúria sem fim.