Mulher Feia
A literatura é uma coisa engraçada. Descreve-se fácil e veemente uma mulher bonita, formosa e de encantos que atraem qualquer homem que tenha bons olhos. Mas mulher feia, nenhum escritor consegue descrever.
Eu me peguei numa situação assim quando a dois meses antes para acabar o ano, ia à aula com meu amigo José e debatíamos sobre o descrever de mulheres em ficções e na literatura.
— Olha só, lê mais literatura que você vai conseguir descrever qualquer menina lá da sala.
— E ficções? — perguntei.
— Ficções são para ações. Vai por mim, se quer descrever ação, leia ficção. Em literatura os caras não tinham fotos, filmes, imagens em geral como temos hoje, então tinham que ser precisos na descrição de uma mulher. No fim das contas, é bem fácil! — afirmava-me ele.
— Dá um exemplo.
— Ó, vê aquela menina que vem vindo ali? Aquela que acabou de passar pela árvore. Segue o meu dedo...
Ele apontou para a Mariana da minha sala.
— Aprenda: Os cabelos dela são negros, portanto, não se destacam como os loiros. Mesmo assim, ela está num terreno favorável para a guerra da sedução. O vento sopra contra ela, assim faz com que os cabelos não muito charmosos se espalhem pelo ar, tornando o seu andar mais belo. Agora se atente no rosto. Nenhuma espinha, nenhuma sarda, nenhuma mancha. É o rosto de uma mulher que quer conseguir homens. Quanto tempo ela deve passar num salão? Será que sua mãe à incentiva? Mas, que importa isso se ela não sabe beijar bem ou... Porém, podemos falar por certo que ela sabe beijar bem, visto que eu já vi ela na festa do Caio ano passado beijando um menino, mais novo que eu aliás. Agora, a cor dos olhos e dos cabelos é que nem religião, meu caro, ou seja, não vou discutir.
— Certamente, continue...
— O corpo. O corpo de uma mulher deve ser tratado por um homem com carinho e ao mesmo tempo força. Isso serve tanto para elas quanto pra nós. Mas olhe bem para o corpo dela, não naqueles lugares! Eu falo a coisa ao todo. Tente olhar sem que ela perceba que você está observando, é um desafio. O que sente?
— Nada. Não sinto nada.
— Como nada? Então não tem nada entre as pernas?
— Não, não! É claro que tenho, cara! Tu está mentindo, essa é a verdade! Mariana não é bonita, não sei que “beleza” você vê nela.
— Nilcio, entenda. Existe uma ciência sobre a beleza das mulheres. Eu sou um cientista dessa área, todo homem é. Você só precisa de um pouco mais de poder de observação e um pingo de discrição.
— Vamos fazer o seguinte, então: eu espero a Larissa chegar, e faço como você fez, tento descrevê-la. Daí, você me diz se fiz certo ou não, beleza?
— Bem, se sente-se mais à vontade assim, vamos lá né... Lá vem ela! Lembre-te do que eu falei: observação mais discrição, não esqueça!
— Pode deixar.
Larissa estava acompanhada de duas amigas, dois empecilhos na minha visão que me impossibilitaram de ver a coisa real. Mesmo assim, fui para um canto mais próximo d’onde estava para enxergá-la melhor. Ouvi José sussurrar atrás de mim “Não! Discrição, discrição!” mas já era tarde. Estava com um papel em mãos e uma caneta preta emprestada que esqueci de entregar ao dono anteontem – pois ontem foi feriado – e saquei-os para anotar o que falaria ao José.
Fui de encontro ao perigo, pois não daria tempo de observar e escrever sobre o meu objeto de estudo.
— Ah! Larissa! Desculpa por interromper a sua conversa, meu grupo tá fazendo uma pesquisa sobre o que pensam as meninas da aula de Educação Física. — É como disse um autor russo, “A mentira é o privilégio dos homens”. Ela consentiu para a minha mentira e foi gentil comigo, não me ignorou e falou como um desabafo. Era uma pena que nada do que ela falou eu anotei, visto que seria uma opinião inédita para a pesquisa, se ela existisse de verdade. Enquanto ela opinava, eu alternei meu olhar entre o papel e o seu rosto, tentando catar o que pudesse naquele curto tempo que tinha.
— Larissa, obrigado pela sua participação na pesquisa! — falei.
Afinal, não ocorreu como o esperado, mas pude improvisar. José acenava pra mim, disfarçando-se como parte do grupo de pesquisa.
— Como foi? Fácil, não? Deixa eu ver...
— Agora eu sei porque os escritores não descrevem mulheres feias, ou não gostam de descrever mulheres feias.
— E o quê seria?
— Mulher feia é que nem texto mal escrito. Só fica bonita depois de muita maquiagem.