Vinho com Pizza
A Pizza estava horrorosa, ao que parecia, melhor pararem de oferecê-las no cardápio, de acordo com as reclamações que eu estava ouvindo. Talvez desconfiados da qualidade duvidosa esperassem ao máximo para fazerem o pedido, já que assim como eu, estavam ali há um bom tempo. O vinho certamente não era a marca oferecida pelo garçom, mas também onde já se viu? Pedir taças de vinho ao invés de garrafa foi um erro que não deveria ter sido cometido. Porém o vinho, aparentemente caseiro ou de marca inferior, e a Pizza gordurosa não foram suficientemente desagradáveis para diminuírem o ritmo da conversa.
Era animada, divertida, os temas eram diversos. Por incrível que pareça rotinas familiares que deveriam ter ficado do outro lado da porta de um “boteco” ou em outra cidade, era a pauta deles. Estranho casal! Amigos? Pelo tom descontraído parecia que sim. Descontraído mas sem intimidade para afirmar que seriam algo mais que isso. Por outro lado, tomaram várias taças de vinho antes da Pizza chegar, deu a entender que a conversa era muito mais importante que qualquer outra coisa.
Continuei observando da mesa ao lado, como estava sozinho e curioso que sou, estava atento às conversas e comportamentos daqueles dois. Percebi claramente que não eram da cidade, assim como eu. Minha rotina de cada dia em uma cidade diferente me permite observar bastante, ouvir, sofrer e, principalmente dar boas gargalhadas com as histórias ouvidas em bares, restaurantes, hotéis e empresas. Sem dúvidas aquela do casal vizinho me chamava atenção pelo fato de eu não conseguir definir exatamente qual era a relação entre eles.
Minha “Original” estava geladíssima, gosto de cervejas especiais, pena não ter um bom tira gosto, me disseram que a cozinheira estava de férias. Mesmo assim a conversa animada na mesa ao lado me fez pedir mais uma, a terceira. “Você gostou mais do curto ou do longo?” Ela perguntou a ele em um determinado momento. Ela se referia ao vestido, o que me levou a algumas indagações: ele trabalhava com moda? Era Gay e por isso gostava dos modelos dos vestidos? Tinham um relacionamento? “Gostei dos dois”, respondeu ele, “ambos são diferentes”. Diferentes? O que ele queria dizer com isso? Minhas dúvidas continuavam.
Ouvi que reclamaram do vinho várias vezes, chegaram a fazer algumas piadinhas com o Garçom, mas, ainda assim continuavam pedindo mais taças. De fato não entendi por que não pediram uma garrafa, dessa forma poderiam ter atestado a qualidade. De fato parecia que vinho e Pizza não tinham importância para eles. Preparava-me para levantar e ir ao banheiro quando ouvi que poderia dar “perda total”. Já sei, ele ou ela deveria trabalhar com seguros de automóvel. Porém isso estava relacionado ao assunto vestido. Estranho...
- Acho que o daquele dia foi exagerado para a ocasião.
- Exagerado por que estava muito curto?” Insistia ela.
- Não é isso”.
- E o de hoje, qual o comentário?”
- Bem social, mas gostei, justinho.
- Justinho? Ele não é justo, é até soltinho.
- Acho que é justo.
- Não é.
Só sei que não aguentava mais de curiosidade, queria saber se o vestido que ela usava era curto, longo, social, justo, largo, o que fosse, mas eu precisava saber pelo tanto que o assunto rendia. Esperava que ela fosse ao banheiro para que desse aquela “conferida”. Para isso eu não poderia sair da mesa. Era intrigante, como o “cara” não sabia se o vestido da mulher era justo ou largo. É, acho que não era gay senão teria observado. Mas não eram um casal senão ele já conheceria o vestido.
Não resisti e fui ao banheiro. Aproveitei, fui lá fora para dar dois tragos em um cigarro e para minha infelicidade, mesmo não tendo demorado, quando estava entrando ela estava chegando à mesa deles. “Puta merda”, estava passando de hora de ir para o hotel, eu esperando a mulher levantar para conferir o tal vestido, e algo mais, e perco a cena? Vou pedir mais uma só de raiva. E continuava aquela conversa que não levava a lugar nenhum, muito menos era suficiente para eu tirar minhas conclusões. Ouvi alguma coisa sobre “solto, soltinho” ou algo parecido. Falavam de comida agora? Lá na minha terra, Serra da Saudade, essa era uma expressão usada para a condição do arroz cozido. Mas seria o vestido a pauta ainda?
O tempo passava, eu bebia, eles também e o movimento ia diminuindo. A Pizza esfriou mas eles já estavam satisfeitos, principalmente com a conversa. Só eu não estava satisfeito. Após ouvir mais de uma hora de assuntos diversos dos quais muitos não faziam sentido algum, não havia entendido ainda qual era a deles. Finalmente decidiram ir embora, para onde iriam? Pediram que o restante da comida fosse embalada. Levantaram para pagar e enfim teria a oportunidade de ver o que queria, o vestido e... bem... o vestido.
Levantaram, era o momento. O vestido era longo, sobre isso não tive dúvidas mesmo depois de quatro cervejas. Mas sinceramente, para saber se era justo ou solto, só “pondo a mão”. Evidente que não tive essa oportunidade e queria saber se ele teria. Talvez até tivesse mas não teria interesse, ou ela deixaria. Já disse que sou curioso e não deixei por menos. Entraram no carro, entrei no meu, não resistindo fui atrás. Pararam próximo a rodoviária. Ela não poderia ficar lá esperando um ônibus próximo da uma da manhã. Observa de longe. Ele desceu e levou a embalagem com o que sobrara da Pizza e deixou do lado de um moribumdo que dormia ao relento. Para a minha surpresa seguiram para o mesmo hotel em que eu estava, facilitaram meu trabalho.
Chegaram a recepção, ainda animados, em clima pra lá de descontraído e pediram as chaves. Sim, as chaves, estavam em quartos separados. Realmente estava esperando por um desfecho diferente, coisas da minha cabeça. Não subi as escadas como deveria e ainda os acompanhei discretamente já que estava no andar de baixo. De longe vi um curto e discreto abraço e ela entrando no quarto. Ele seguiu mais um pouco e entrou em outro mais adiante. Fim da minha noite, fim da deles e eu sem resposta definitiva. No outro dia pela manhã ainda os vi, a conversa parecia boa, mas os rostos, de quem não havia dormido direito à noite. Será que perdi alguma coisa?