Aventuras do criativo contra o Sr. Clichê

Uma campanha está prestes a sair e o senhor clichê, agindo às escuras, conseguiu emplacar mais uma ideia sua genial (SQN) com o cliente. “Mega extraordinária super promoção demais. Preços baixos econômicos imbatíveis para você economizar”.

Enquanto isso, o criativo está distraído, bisbilhotando linhas do tempo no Facebook, vendo vídeos de pegadinhas, de gatinhos fofos e de cães engraçados, acessando o Adnews e Brainstorm#9... Até que o pessoal da produtora liga a fim de saber como realmente é para ser feito o vídeo comercial do cliente “Lojão da Promoção”: – Alô, criativo? – É ele, sim. Quem fala? – Fala doidão, aqui é o produtor “se vira nos trinta”, tá ligado? É o seguinte: a gente tá querendo saber melhor como serão postas as imagens nesse vídeo. Atônito, o criativo, pergunta: – Como assim? Que vídeo? Que roteiro? Que porra tu tais falando, homi? – Brother, responde o produtor figura quebra galho. Foi a galera daí que mandou um roteiro em caráter de urgência pra gente fazer. E para variar o prazo é pra ontem. Puto da vida, o criativo fala: – valeu mesmo pela informação, man. Me manda esse roteiro pra eu ver que desgraça foi feita, por favor, velho. – Beleza mano, mando agora. Mas não fala nada não aí que te mandei, visse. Eu posso me queimar, saca. – Relaxa brother, você é meu chapa. Vou dar um jeito aqui de não te colocar nessa confusão de merda. Hehehehehehehe. Vou desligar e resolver isso logo, falou.

Terminada a conversa, criativo pergunta na agência quem foi o “gênio” que fez essa bosta de roteiro? Todo mundo fica calado, sem saber responder, exceto o braço direito do senhor clichê, que finge ser amigo da galera, mas adora babar o chefe. Este diz: – quem fez foi o senhor clichê e não invente de querer mudar não, pois já foi tudo aprovado pelo cliente sabe tudo. – PUTA QUE O PARIU, a gente devia mudar o nome dessa agência, viu. Deveríamos colocar o nome daqui de “Defeca comunicação”, porque a gente só faz merda. Eu vou tentar mudar isso aqui, mas se o cliente sabe tudo não quiser, azar o dele e o nosso também, pois, infelizmente, a galera de fora não vai se ligar que a gente foi obrigado a fazer essa bosta, fala o criativo.

Dito isso, ele sai da sala e vai fumar um cigarro para relaxar e fazer as ideias surgirem. Fumando e viajando, as ideias vão se organizando de forma abstrata e solta na mente. Depois, o criativo volta, senta-se à frente do computador e começa a digitar conceitos e frases. Pensa: – todo mês é isso “super promoção” “mega promoção” “extraordinária promoção”. Tá certo que nem sempre a gente consegue fazer algo realmente criativo e termina fazendo algo clichezão, varejão mesmo, mas podemos tentar fazer algo bacana. E é isso que vou fazer! “No Lojão da promoção, ofertas partem pra cima dos preços e batem muito neles... Ofertas sobem no ringue, pulam e esmagam os preços. Vem conferir essas ofertas esmagadoras e aproveita”. Pronto: foi o que pude fazer assim de supetão. A gente pode colocar quatro lutadores (duas ofertas e dois preços) lutando e as ofertas vencem a luta, nocauteando os preços. Após esse início de vídeo, entram as ofertas.

– Ufa! Consegui fazer uma ideia bacana para combater o senhor clichê. Não tá tão legal, mas ficou bem melhor do que aquela merda e também não tenho tempo para pensar em nada melhor. Falta agora convencer o cliente sabe tudo. Vou preparar uma defesa massa aqui. Droga! Não acredito! O senhor clichê está chegando. Tenho que me preparar para derrotar esse fabricante de merda na comunicação. – Boa tarde pessoal, fala o senhor clichê, todo engomado, metido a metrossexual. Como anda o nosso VT? Temos urgência nisso. Vocês sabem que isso é pra ontem, né? – "Novidade! Como se nada fosse pra ontem". Eu ficaria surpreso mesmo é se aparecesse um job para amanhã, reflete o senhor criativo que, em seguida fala: olha chefe, eu fiz um roteiro bacana. Se bem produzido fica muito legal. Acho que vai fazer o cliente vender mais e nossa agência ter uma maior visibilidade no mercado publicitário. – Não, não! Não invente de querer mudar as coisas a quarenta e cinco minutos do segundo tempo. O cliente já aprovou toda a campanha, que por sinal ficou muito boa e foi muito bem elogiada. Sabendo que o senhor clichê falou isso apenas para levantar o ego dele e porque adora se autodenominar o fodão, o criativo fica calado, mas não se deu por vencido.

Escondido do senhor clichê e do funcionário babão, o criativo, apesar de detestar sair da agência, resolve ir bater um papo com o cliente sabe tudo e mostrar porque a sua ideia é melhor para a empresa dele. – Olá senhor cliente sabe tudo, eu sou o criativo da “agência defeca comunicação” (Essa parte defeca comunicação não foi dita pelo criativo. Ele apenas pensou) e gostaria de lhe mostrar uma ideia genial que vai fazer o senhor vender mais produtos, de uma forma mais bonita, empolgante e bem mais atrativa. – Pois não, sente-se meu garoto, diz o cliente com os olhos brilhando.

Os dois conversam por meia hora e o criativo consegue convencer o cliente sabe tudo que, além de assinar o roteiro dando um okay como aprovado, liga entusiasmado para o senhor clichê, parabenizando toda a equipe pela excelente ideia apresentada. Logicamente que o senhor clichê ficou putão da vida, mas teve que dar um sorriso falso, agradecer o cliente sabe tudo e dizer que tinha uma equipe muito boa. Assim que desligou o telefone, fechou a cara, mandou o atendimento interno e produção ligar para a produtora pedindo um pause na edição do vídeo e foi embora para casa com muita dor de cabeça.

Depois de aprovado o roteiro salvador, o criativo chega à agência, o pessoal pergunta o que ele fez e o chamam de doido, pois todos têm medo do chefe. Ele responde: – não fiz nada demais, a não ser apresentar uma boa ideia ao cliente. Depois se senta e volta a fazer o que mais gosta (olhar besteiras no Facebook).