Cleusinha
Ao eleger Vanusa sua inspiradora musa, a platinada Cleusinha só pecou em dois quesitos: cantava melhor do que a apaixonante intérprete do inesquecível Pra Nunca Mais Chorar e, no maior deles, escolheu-me para o seu Antônio Marcos, em meio aos meus dotes tão parcos.
Mas tudo bem, nosso romance superaria eventuais interpretações equivocadas. Éramos jovens e, ainda bem antes do Saturday Night Fever, já dávamos nossas voltas e travoltas pelos ares e bares da Velha Serrana.
Cleusinha, que era irmã mais jovem de um ex-colega de primário, o Zé Ailton, vinha de boa cepa, de família trabalhadeira e honrada, de costumes morigerados e de ética de certeza aritmética. E não era que eu merecesse todas essas credenciais. Apenas tentava ser um bom rapaz.
Cleusinha, apenas saída de uma paixão mal curada, ajustava-se aos novos tempos e era o modelo da amante dedicada, muito embora,além dos frementes beijos, não prometesse nada. Sem ser muito frequente à igreja, ou ao crente Evangelho, pautava sua vida em princípios rígidos, típicos de uma juventude saudável - ainda que não apalpável.
Eu por minha vez, já não consigo me situar a quadra em que me encontrava. Pouco bebia, não fumava e sinuca, detestava. Militava em algum colégio da periferia de Belorzonte, enquanto nas ciências inexatas me enfronhava.
Nos dias de semana, ocupados ambos por todos os lados, tirávamos algum tempo para matar as saudades por meio da escrita, já que ficava mais cara a palavra dita.
Numa de suas missivas, Cleusinha, detalhista, tentando separar o passado - amoroso - do presente, ainda duvidoso, lascou-me um "deusquando..." e num outro parágrafo, conciliadora, terminou com uma
afetuosa interrogação, num "talquei?"
Verdade que acolhi com entusiasmo aqueles neologismos e cogitei de os patentear em nome da amada. Mas sua antiga paixão ressurgiu nesse meio tempo. E só com os neologismos à mão, singrei - ou naufraguei? - na solidão.