MOMENTO CIRÚRGICO
Março - Tudo começou ao fazer o check up anual. Rotina. Analisando minha ultrassonografia, Dra. Ana Helena, ginecologista, deparou-se com seis pedras na vesícula:
- Cirurgia urgente, mocinha. – disse-me ela.
Abril – Após consultar-me com o Dr. Carlos Vinicius, ter feito vários exames e ter ido ao cardiologista para análise do risco cirúrgico, finalmente estava tudo pronto para a cirurgia. Minha primeira cirurgia após 50 anos de vida! Estou apavorada, mas disfarço bem.
16/04 – Despeço-me de meus colegas do serviço. Parece que estou indo para a forca. À noite entro na Internet e despeço-me de meus amigos do Facebook. O suplício está para começar.
17/04 – 10:20 h – Chego ao Hospital Santa Casa (o horário marcado era para as 11 horas, essa antecedência de 40 minutos já mostra o tamanho de minha ansiedade) usando um vestido de linho azul marinho, blusa de mangas compridas brancas e sapatilhas pretas (roupa confortável, que não apertará minha barriga após a operação). Depois de devidamente fichada pelo simpático funcionário Émerson, sou encaminhada ao meu quarto onde ficarei com outra paciente, de nome Beatriz. Chego ao quarto. Encontro duas camas vazias. Beatriz já está no bloco cirúrgico. Guardo minha sacola plástica (sacola para guardar minha roupa depois de vestir as roupas do hospital) dentro do armário. Antes, retiro o livro Alta Tensão do norte-americano Harlan Coben, que trouxe para distrair-me. Ainda bem que fiz isso, pois li durante 2 horas.
17/04 – 13 h – Uma simpática e loira enfermeira de olhos verdes entra no quarto após duas horas de leitura e espera:
Enfermeira: - Dona Simone?
Eu: - Sim. Eu mesma. Pois não.
Enfermeira: - Vou encaminhá-la ao bloco cirúrgico, mas antes gostaria que respondesse algumas perguntas. Pode ser?
Eu: - Claro!
Enfermeira: - Está em jejum de 12 horas?
Eu: - Sim. Desde as 19h de ontem.
Enfermeira: - Tomou banho? A que horas?
Eu: - Sim. Hoje às 9h.
Enfermeira: - Esmalte nas unhas?
Eu: - Não.
Enfermeira: - Alguma prótese?
Eu: - Não.
Enfermeira: - Alergia?
Eu: - Nenhuma.
Enfermeira: - Ok. Por gentileza. Retire todas suas roupas, inclusive calcinha e soutien, anéis, brincos, aliança, corrente e vista esta roupa do hospital.
Eu: - Certo. Já vamos para o bloco cirúrgico? Então vou aproveitar e fazer xixi.
Enfermeira: - Vamos para lá sim. Enquanto troca de roupa, vou buscar a cadeira de rodas.
Coloco o “modelito” manequim tamanho 64 em um corpinho manequim 36. Fica lindo! (Estou irônica aqui!) Um calção e uma blusa enorme, na cor verde clara, sem botões ou sem uma faixa para amarrar em volta do corpo. Para a blusa não abrir e a calçola não cair, cruzo as duas partes da blusa enrolando-as na volta de meu corpo e enfiando-a para dentro da calçola. Depois enrolo a cintura da calçola e fico segurando-a com a mão até a enfermeira chegar. Ali já me deu vontade de chorar.
Enfermeira: - Ponto Dona Simone. Aqui está a cadeira de rodas.
Eu: - Tenho que ir de cadeira? Estou bem! Posso ir andando!
Enfermeira: - Não dá. São normas do hospital. – responde sorrindo.
Guardo o livro na sacola plástica dentro do armário.
Eu: - E a sapatilha? Posso ir com esta sapatilha preta nos pés?
Enfermeira: - Ah não. Não pode. Só um instante. Já volto. – responde gentilmente.
Nisso, a paciente Beatriz retorna do bloco cirúrgico com um enorme curativo em volta da cabeça. Os enfermeiros transferem-na da maca hospitalar para a cama. Retiram-se. Aproximo-me de sua cama.
Eu: - O que você fez?
Beatriz: - Timpanoplastia. – respondeu com a voz um tanto grogue.
Eu: - O que é isso?
Beatriz: - Tímpano perfurado. Fizeram um enxerto.
Eu: - Seu nome é Beatriz?
Beatriz: - Não. É Patrícia. Quero fazer xixi.
Eu: - Patrícia? Então o Émerson, aquele rapazinho da recepção, se enganou. Disse-me que minha companheira de quarto seria Dona Beatriz. Aguarde um pouquinho. Vou procurar uma enfermeira.
Seguro bem firme a grande roupa em volta do meu corpo e saio pelos corredores. Encontro um enfermeiro e aviso que a moça que acabou de chegar da cirurgia, no quarto 640, quer urinar. Sou informada por ele que ninguém pode mexer nela por causa da anestesia, mas ele vai levar uma “comadre” para ela.
Beatriz/Patrícia, após aliviar-se fica agradecida, deseja boa sorte na minha operação e adormece. (Seu nome realmente é Beatriz. Creio que falou Patrícia porque estava ainda um pouco estonteada pela anestesia).
A enfermeira loira retorna em seguida com uma espécie de pantufa descartável branca.
Sento na cadeira e saímos pelos corredores do 4º andar em direção ao elevador. Destino: bloco cirúrgico no 2º andar.
Chegamos ao bloco cirúrgico e logo na entrada encontramos uma equipe de televisão composta por cerca de meia dúzia de pessoas e uma parafernália de equipamentos. Passamos por entre essas pessoas e vou buzinando minha Ferrari: biiiiiiiiiiii (Essas bobagens demonstram o tamanho de meu nervosismo. Será que se eu for simpática com todos, eles desistem dessa cirurgia? Será que se eu for legal, não vai doer?).
Uma enfermeira coloca uma touca descartável branca em minha cabeça. Entramos na temível sala. Parece uma sala de cirurgia igualzinha àquelas que aparecem nos seriados de televisão CSI ou House. Saio da cadeira de rodas. Um japonês simpático (médico anestesista) de óculos e com um rosto cheio de rugas, aproxima-se:
Anestesista: - Boa tarde, Dona Simone. Por gentileza, deite-se aqui com a cabeça para cá. Está em jejum?
Eu: - Sim.
Anestesista: - Vou colar alguns equipamentos aqui no seu peito para monitorá-la.
Eu: - Ok. E o Dr. Carlos? Não vem?
Anestesista: - Vem sim. Pode ficar tranquila. Só estamos adiantando o serviço, mas ninguém começa sem ele. – diz sorrindo.
17/04 – 13:15 h – Olho para a parede do meu lado esquerdo e vejo o relógio: 13:15 horas. Olho para o teto e vejo, através do reflexo dos refletores, o japonês mexendo em vários equipamentos e colando etiquetas em mim.
Anestesista: - Pronto! Já está monitorada. – diz e logo em seguida escuto o som do equipamento localizado ao meu lado direito: bip – bip – bip ...
Uma enfermeira aproxima-se e injeta anestesia na veia do meu braço esquerdo.
Eu: - Tchau!
Anestesista: - Calma Dona Simone. Não é tão rápido assim. Vamos devagar para dar tempo do Dr. Carlos entrar aqui. Ele já chegou ao hospital. Está trocando de roupas. – diz sorrindo.
Eu: - Ah tá! Pensei que fosse anestesia com efeito rápido, parecida com a que já usei para fazer um exame de colonoscopia. – respondo rindo também.
17/04 – 13:30 h – Dou mais uma olhada no relógio da parede: 13:30 horas. Penso em dizer à equipe médica: Fiquem com Deus. Que Deus guie as mãos desses médicos. Sei que pensei, mas não sei se falei. Não vejo mais nada. Tremo de frio. Não vi o Dr. Carlos Vinicius chegar.
Eu: - Estou com frio. – gemo.
Sinto que alguém coloca um cobertor sobre meu corpo e uma voz feminina diz: - Passou o frio?
17/04 – 18:00 h – Acordo. Ainda estou com frio, mas o cobertor quadriculado de vermelho e branco aquece bem. Estou numa maca hospitalar sendo levada por um enfermeiro até meu quarto.
Enfermeiro: - Acompanhante da Dona Simone! Acompanhante da Dona Simone! – chama na porta do bloco cirúrgico, mas ninguém aparece.
Olho para um lado e para o outro, mas não reconheço ninguém. Procuro por meu marido. Onde estará?
Chegamos ao 4º andar. A maca atravessa todo o corredor até chegar ao quarto 640. Vou olhando para o teto vendo as lâmpadas passarem rapidamente. Enxergo meu marido, que deixou as enfermeiras agitadas de tanto perguntar por que eu estava demorando em chegar. Suspiro de maneira aliviada. Ele estava ali me esperando das 13 às 18 horas!
Dois enfermeiros transferem-me da maca para a cama. Aceno para Beatriz que está na cama do outro lado do quarto. Um enfermeiro arruma o soro e sai. Enfim sós. Ficamos um pouco de mãos dadas, mas só quero dormir. Continuo com frio, mas quero comprar um cobertor igual a este, pois parece que aquece mais do que aqueles que tenho em casa.
Quero dormir a noite toda, mas já percebo que não será muito fácil, porque estou com quatro furos na barriga, seis pontos cirúrgicos e curativos. Terei que ficar de barriga para cima. Será que conseguirei dormir?
17/04 – 23h – A partir daqui, todos os horários anotados são apenas sugestões, pois estou sem relógio. Após o efeito da anestesia e entre dormir e acordar várias vezes, apenas calculo que horário deve ser naquele instante.
Uma simpática enfermeira de cabelos bem pretos e lisos entra e aproxima-se da minha cama.
Enfermeira: - Tudo bem, Dona Simone? Trouxe uns remedinhos para a senhora. – diz gentilmente.
Eu: - Ah que bom que você chegou! Estou com cefaleia. – digo gemendo.
Enfermeira: - Certo. Já vai passar. Estou colocando no suporte do soro: Dipirona e um anti-inflamatório. Está com enjoo ou ânsia de vômito?
Eu: - Não. Só dor de cabeça muito forte, mas agora vou dormir a noite toda, graças a você.
Enfermeira: - Bem... Dr. Carlos deixou anotado aqui na sua ficha para ministrar Bromoprida, mas apenas se a senhora tivesse enjoo ou ânsia de vômito. Então não vou colocar agora. Boa noite. Durma bem!
Fecho os olhos. Acho que essa linda moça é um anjo que Deus enviou para me cuidar.
18/04 – 1 h – A bonita enfermeira morena retorna. Mede a pressão e a minha temperatura e a da Beatriz. Pressão normal e sem febre. Ótimo.
Enfermeira: - Tudo bem por aqui? Precisam de alguma coisa? Ótimo. Durmam bem.
Nessa madrugada acordei algumas vezes quando a enfermeira aparecia no quarto para verificar como estávamos. Tratamento VIP.
18/04 – 9 h – Meu marido chega. Conversamos aliviados porque deu tudo certo na retirada da vesícula. Estou feliz, afinal fui super bem tratada. Percebo que o adjetivo mais usado aqui por mim é: simpatia (recepcionista, enfermeira loira, enfermeira morena, anestesista japonês, etc.). Parece que todos são artistas de cinema! Será que é tudo ficção? Agora tudo acabou! Pronto! O martírio teve fim!
18/04 – 09:30 h – Dr. Carlos chega. Aperta minha barriga, manda trocar o curativo do umbigo. Reclamo que estou com muita dor de cabeça. Ele manda o enfermeiro injetar na veia Dipirona e Bromoprida. Conversa com meu marido entregando-lhe uma receita, um atestado médico, informando como trocar os curativos e pedindo para ligar no consultório e marcar para o dia 25/04 para retirada dos pontos. A terrível retirada dos pontos! Mas isso já é outra estória!
Até lá!
Simone Possas Fontana
(escritora gaúcha de Rio Grande-RS,
membro da Academia de Letras do Brasil/MS, ocupando a cadeira 18,
membro correspondente da Academia Riograndina de Letras,
autora dos romances MOSAICO e a MULHER QUE RI,
formada em Letras, contista da Revista Cultura do Mundo)
Nota da Autora:
- Conto escrito em 2013.
- Publicado no blog: simonepossasfontana.wordpress.com