O Estranho Fabian
Rapaz calado, de olhar marcante, às vezes assustador. Diziam que se alguém o visse sorrir não conseguiria dormir à noite. Pura maldade! Assim era Fabian, estudante secundarista, que apresentava excelentes notas. Por vezes parecia ausente nas aulas, participante em excesso de vez em quando, chegando atrapalhar o desenvolvimento das mesmas. Gostava das matérias exatas, como Matemática e Física, além disso, lia muito e polemizava com o professor de Literatura, José Carlos, o Zeca. Este, por sua vez, achava ótimo que isto acontecesse, pois assim o aluno era “trazido” à aula.
- O que acha de Guimarães Rosa, Fabian?
- Gosto de algumas coisas, mas ele exagera no neologismo, acho um pouco forçado.
- Há algum personagem que você admira?
- Diadorim e Augusto Matraga.
- Por que?
- Ela pela coragem e o Matraga por identificação. Quer dizer mais ou menos.
- Dá para explicar melhor?
- Não! Chega, não quero fazer mais nenhum comentário.
Quando isto ocorria, nenhum outro aluno se manifestava. O professor aceitou que o aluno não desejava mais participar, além do mais, o sinal acabava de soar.
Fabian já deixara claro, em outra aula, que seu livro preferido era o Apanhador no Campo de Centeio (The Catcher in the Rye) de J.D. Salinger, o qual lera diversas vezes, inclusive na versão original. Zeca conversara com ele após uma das aulas e expressou sua opinião sobre o livro. “ acho que foi importante para a juventude de uma determinada época, mas a história não me agradou. Um adolescente que foi expulso da escola, fica rodando por Nova York, sem coragem de voltar para casa”... Achei o argumento meio fraco. O professor esperava a reação do rapaz, em defesa de sua obra favorita. Não houve nenhuma. Tempos depois, Fabian disse que estava juntando dinheiro para viajar aos Estados Unidos e refazer o trajeto de Holden Caulfield, o principal personagem do livro. Estaria ele influenciado pelo assassino de John Lennon, David Chapman, que portava o tal livro na hora do crime? O professor torcia para que não fosse esse o motivo.
Segunda-feira, Zeca sobe as escadas para iniciar sua primeira aula. Achou estranho que na pequena janela da sala na qual entraria tivessem colado uma folha de papel que impedia de ver o seu interior. Girou a maçaneta e notou que os alunos estavam divididos em dois grupos. Um deles com cinco meninas e os vinte ou trinta demais em outro. Só então, Fabian levantou-se empunhando um revolver e apontando para ele. Obstruiu a porta com uma carteira, impedindo que pudessem ser aberta por fora.
O professor sempre usou as frases atribuídas a Millôr Fernandes “herói é aquele que não tempo de fugir” e “não discuta com quem uma arma”. As duas frases viram imediatamente à sua cabeça. Era hora de agir com frieza. Difícil...
O estudante armado argumentou:
- Essas vadias somente se aproximam de mim nos períodos de provas. São até carinhosas e jogam charme. Depois, se afastam e me chamam de esquisito, estranho, com cara de psicótico. Pois bem, cansei e disse que não ensinaria mais coisa alguma a elas. Resolveram vingar-se. A Malu, disse apontando a arma para uma das meninas, percebeu que eu não desceria para o intervalo e pediu para que eu ficasse em pé. Beijou a minha boca e alisou o meu pênis, claro que fiquei excitado. Então, a vadia saiu gritando que eu tentara agarrá-la à força. Fui suspenso por três dias, advertido e fiquei com minha matrícula condicionada ao meu comportamento futuro. Agora, serei expulso, assim como o Caufield. É o começo de uma nova fase.
O professor definitivamente não sabia o que fazer, mas percebeu que entre as frestas da persiana da janela alguém observava. Era um dos inspetores de aluno que chamaria a polícia.
Apontando mais uma vez a arma para Malu, ordenou que ela viesse até ele, no que foi obedecido pela menina que tremia e chorava.
- Abra o zíper de minha calça e me masturbe, ordenou.
Zeca protestou e recebeu uma coronhada na cabeça.
- Pegue o meu pênis e masturbe até que eu goze.
A menina assim o fez e parte da ejaculação acertou o seu rosto. Estava paralisada.
Alice, uma das alunas que não fazia parte das “malvadinhas” separadas pelo Fabian, cuidava do ferimento do professor, apressou-se em retirar Malu de perto do agressor e limpou seu rosto com um lenço de papel. Olhou para o garoto armado e gritou:
- Você não precisava fazer isto. Eu nunca te desrespeitei, até agora. Fique sabendo que com ou sem arma eu não tenho medo de você. Idiota!
O professor parcialmente refeito só pensava: Não menina, não discuta com quem tem uma arma. Muito menos ofenda. Por sorte não houve reação.
A polícia chegara e um negociador começou a falar sobre a rendição do agora chamado sequestrador. Fabian aparentava calma. Mandou que os alunos do grupo maior fossem saindo. Ficaram Alice e as “malvadinhas”.
- Liberte as meninas, eu fico com você, falou o professor, herói por não ter saído a tempo.
- Está bem, saiam. Foi atendido prontamente.
O professor gritou para que os policiais não entrassem, pois ambos sairiam em seguida. Pegou a arma da mão do rapaz, colocou-a no chão, abriu parcialmente a porta chutando o revolver para fora.
O policial recolheu a arma e disse para os demais que a mesma se encontrava vazia, sem munição. Saíram o professor e o aluno. Este foi encaminhado à delegacia de polícia e, por ser menor de idade, foi solicitada a presença do Conselho Tutelar.
- Professor, o senhor precisa nos acompanhar, disse o policial.
- Posso ir ao banheiro me recompor.
- Claro, mas por favor, não demore.
No interior do banheiro, Zeca retirou a munição que guardara no bolso da jaqueta e embrulhou cada uma das balas em papel higiênico, jogando no cesto repleto de papel usado. Quem mexeria em lixo deste tipo? Saiu e na delegacia disse o que vira, ressaltando que o rapaz sofria constantemente bullying e acabou surtando. A arma nem estava carregada...