Sem olhar para trás

A casa já estava em silêncio àquela altura da madrugada.Todos dormiam e já era a hora. Levantei da cama e, debaixo dela, apanhei minha mochila com o pouco que havia separado para a partida.

Do outro lado do quarto minha irmã mais nova dormia como um anjo. Andei até ela e beijei-lhe a testa pela última vez. Sentiria sua falta. Mas era preciso ir.

Saí do meu quarto e dei uma última volta pela casa inteira. Lembranças e fotografias espalhadas me fizeram refletir novamente se era mesmo aquilo o que eu queria fazer.

Parecia loucura. Ir embora, jogar tudo para o alto sem olhar para trás. Deixar minha família, minha vida em troca de uma aventura. Poderia soar como mais um capricho adolescente de uma menina de dezessete anos bancando a revoltada.

E talvez realmente fosse a maior loucura que cometeria em toda a minha vida. Só mais um sonho que desapareceria dentro de alguns meses. Mas eu precisava tentar, porque podia também ser a chance da minha vida.

É claro que meus pais provavelmente ficarão enlouquecidos quando descobrirem que eu fugi. De início vão armar o maior escândalo, colocar Deus e o mundo atrás de mim. E quando não me encontrarem e desistirem das buscas vão ficar desolados. Mas conseguirão viver sem minha presença. Ainda terão minha irmã, vão superar a perda.

Os documentos falsos já estão em mãos. Idade e nome adulterados para que nunca mais encontrem a Ana Paula que viveu até aqui. O circo parte em duas horas, e eu vou com eles. Viver nas lonas, rodeada pela arte, colocar o meu sonho em prática…

Dando uma última olhada na sala de estar,e reprimindo uma lágrima que teimava em cair, girei a maçaneta e saí para sempre, sem olhar para trás.

*texto originalmente publicado no blog Adolescente Demais

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