O CAIXEIRO VIAJANTE ENCANTADO
Havia pouco, eu me mudara com minha família para aquele lugarejo simples e novo, que aos olhos de uma criança de nove anos, misterioso parecia, enquanto cresciam-lhes imagens e fantasia imensas em sua caichola.
Assim foi, que ali no Valão Velho conheci figuras diferentes e encan-tadas, que povoaram minha infância. O que mais me marcou foi ter conhecido seu Técio, viajante experiente, que conhecia quase que o país inteiro. Por ser homem afiado em Geografia e histórias vivia cobrando dos filhos tais conhecimentos e tascava-lhes:
- Qual o principal afluente do Amazonas? / - Onde fica Teresina? ou - Qual a capital de Piauí?
E as meninas saiam de fininho chateadas. É que elas preferiam o outro lado do pai.
É que este homem peculiar e estranho, chamado de professor, por todos, sem ser, tinha outros costumes mais apreciados pelos filhos, como contar histórias de fadas, de lendas antes de dormir.
Eu juro que por alí não havia outra pessoa assim. E quando ele enchia a sua casa de crianças, nas tardes de chuvas ou noites assom-bradas para contar histórias de assombração? Na ocasião, não havia televisão, por aqueles lugares pobres, só em algumas casas, ou mansões.
Para completar, ele fazia com as mãos, sombras nas paredes. E sua caçula saia de fininho, com vontade de fazer pipi, de tanto medo. Só que era um medo que criava heróis e desafiava a curiosisade e cora-gem de todos e a fazia voltar para ouvir o resto da história. Por isso, quanto mais medo tinham, mais queriam ouvir histórias.
Até que um dia, ele voltou a me surpreender. É que sem querer, ouvi sua mulher dona Rosinha repreendendo-o:
- O homem, toma juízo quem já viu homem santo?
E ele repondia-lhe, para infernizá-la:
- Pois um dia vocês verão. Eu sou um santo homem Rosinha.
E não é que foi mesmo?
Quando ele morreu, eu estava lá no velório e não tive medo. Eu nunca vira um enterro bonito, mas aquele foi mesmo um. Foi um velório diferente e tranquilo. E mais curioso é que as pessoas dos outros velórios vinham vê-lo, rezar por ele. E houve até cantiga serta-neja de louvores. Não que ele fosse religioso, nem ateu. Mas, segundo ele: Um santo.
Houve até quem perguntasse:
- É aqui o velório do homem bonito?
E se admiravam à beira do caixão. Ele já entrado nos setenta, agora aparentava vinte. E ainda, morreu sorrindo.
Brincalhão como ele era, com certeza estava rindo da dona Rosinha, que pelas poucas letras dela não entendeu nada do que veio depois.
Na hora do enterro naquela tarde de primavera surgiram tantas cigarras em cima de seu caixão, bailaram nos ares, enquanto durou o cerimonial e desapareceram em seguida, ao término de tudo.
Será que todos viram o que eu estava vendo?
Não. Talvez só sua filha, meio poeta, e sensível entendeu que seu pai fora atendido e provara tudo quanto dissera - que era um santo homem.
Homem simples sem maldade, sem dinheiro, ou ilusão. Ele curtira os momentos todos com resignação e sempre com bom humor. E só deixara uma pequena herança - o seu travesseiro, onde dizia descansar sua cabeça em paz.
Mas sua alegria mesmo, de fato, estava naquele seu encontro com o nosso Senhor.