Cinza

Entreabertos olhos, que pouco enxergam, consomem o dia como vento desconstrói rocha – despreocupado; eterno.

Assim vive ele. Diz-se feliz. Clama aos sete mares que tudo pode e que tudo fará, mas consumido pelo medo desaba em seus próprios suspiros.

Fraco! Tolo!

Ele acorda todas as manhãs – uma hora após o horizonte se fazer claro. Demonstra boa vontade e ruma para o banho.

O banheiro fica apenas a alguns metros de seu quarto. Seu quarto, pequeno, porém confortável, está cheio de livros e algumas lembranças do passado – fotos de estudante, brinquedos de quando era criança e algumas pequenas pedras ametistas; um ventilador no teto, que ao girar produz constante ruído, faz com que ele pegue no sono durante as noites mais quentes; um enorme armário de cor pastel, que fica oposto à sua cama, guarda suas roupas.

Após o banho, vai à cozinha e prepara seu desjejum. Depois vai ao trabalho: trabalha em um escritório de uma grande companhia de papéis. Cuida de planilhas digitais. Ou seja, olha para uma folha, que lhe é dada, e repassa as informações para o sistema da empresa. Em alguns dias extraordinários, recebe a tarefa de comprar café para o chefe – então se deleita na esperança, que raramente é concretizada, de olhar bonitas mulheres durante o percurso. Ao terminar o trabalho, volta para casa, lê um pouco e dorme, na crença de que no dia seguinte será concebida uma grande mudança de vida.

E, de fato, foi o que aconteceu. Aquele novo dia seria um dia diferente!

Ele acorda, os olhos mal acostumados com a luz que entra pela janela fazem-no ver uma vida esfumaçada. Vagarosamente retira os cobertores de cima de si e dá um pulo.

Agora, sentado na cama, retoma mentalmente os planos para seu dia: banho, café, trabalho, almoço, leitura e então dormir. Cogita a ideia de almoçar em um restaurante, para diferenciar sua rotina.

Levanta de sua cama. Sua visão, ainda embaçada, se encarrega de encaminhá-lo na direção do banheiro, e do chuveiro. Entra no Box e então abre o registro da água quente.

Aquela água vulcânica jorra com a intenção de tocar seus cabelos e escorrer por seu corpo. O banheiro, após alguns minutos, está encoberto pelo vapor da água. Imagino que ele sinta que chegou a mais alta das montanhas nesse momento. A água escaldante faz com que sua pele fique vermelha. O barulho da água parece abafar seus pensamentos, o calor emudece seus sentimentos e ele morre.