MARILDO
Marildo atravessou o meio do pátio do grupinho do bairro Pio Gomes e desceu pela rua que passava na frente da "chacra das madre". Cruzou a ponte e continuou pela rua, agora em subida. Na esquina em que morava o "seu Transval", virou à esquerda e seguiu pela avenida Vinte de Agosto.
Marildo não levava nas pernas a pressa que sua mãe exigia, mas ia, como sempre fora, comprar óleo à granel que só era vendido na Comercial Mesquita. De vez em quando, o caldeirãozinho de alumínio tinia ao bater em sua perna magra e cheia de cicatrizes provocadas por uma alergia que empolara todo seu corpinho esquelético.
Marildo se encantaa com a casa de "dona Mariazinha". A frente da casa tinha a parede toda recoberta por pedrinhas brancas, retiradas do leito do Rio Veríssimo, distante mais ou menos 7 léguas da cidade, pras bandas de Ipameri.
Era no meio daquele mosaico cascalhento que o olhar de Marildo perdia-se, até que a obrigação impelia-o a tocar em frente. A bem da verdade, a casa é um marco histórico de toda Catalão. Não há um cidadão catalano que não conheça aquela mansão para os padrões de quando foi construído, de frente para a avenida principal e com um quintal que ia até as margens do Ribeirão Pirapitinga _veia aberta que corta toda a cidade ao meio.
Ao voltar, Marildo não pararia ali novamente. Para não ter ímpetos, passaria do outro lado da rua e miraria a casa da distância. Cruzando novamente a ponte sobre o ribeirão, com mais quatro quarteirões, chega em casa a tempo de não ouvir os impropérios da mãe. Deixa o caldeirãozinho no rabo do fogão à lenha e chispa para o seu quartinho.
Marildo retira de sob o colchão um livro antigo de geografia. Já tem a página marcada, para onde seus sonhos se encaminham desfilando incansáveis: página 84!
A exuberância do mar. Ah, o mar, imenso azul a sumir de vista. Marildo duvidava que existiria tanta água junta, mas singrava-o na gravura. Fazia um barco a velas, vestia-se de pirata, fundeava em ilhas não "descobridas".
Marildo dormira com o livro aberto sobre o peito escancarado.
Um dia, Marildo virou mar revolto...