O QUE SERÁ QUE HOUVE.

Estou aqui te olhando e pensando:

- nossa como e quando foi que deixei de te amar?

-será que foi o dia que me deixou sozinha em casa e foi com os amigos se divertir?

-ou quando precisei desabafar e você estava “emprestando” seu ombro para sua amiguinha?

não sei, mas no meu reencontro comigo mesma foi que notei...

os anos foram passando rapido, nessa velocidade fui sendo arrastada, pela criação dos filhos, preocupação com casa, com contas... nunca mais me encontrei.

hoje com os filhos já grandes, cada um com sua vida muito bem estrutura pois fui o alicerce, com muito orgulho, os formei e estruturei suas asas, que cresceram fortes e firmes para vôos bem altos e velozes.

Foram seis, cinco homens e uma mulher.

vida dura, dificil e hoje tenho certeza que fiz essa caminhada sozinha, agradecida a Deus pois como acreditava que tinha você me ajudando e amparando consegui.

nessa ilusão se passaram 38 anos, hoje estamos casados a 46, nos encontramos velhos, doentes, aposentados e sozinhos... eu mais ainda, você ainda me tem, seu remedio, suas roupas, sua comida, ainda é minha preocupação...

muitas vezes tenho vontade de gritar: onde estão suas amigas? seus amigos? já que sempre acreditou ser tão alegre, tão adorado por todos?

talvez por amanha completar 66 anos hoje estou lembrando de muitas coisas, e por mais que me esforce não me recordo de nenhum momento bom contigo, sempre estavamos as crianças e eu.

em aniversarios, nas festinhas de escola, reunião de pais, brincadeiras no quintal ou mesmo na rua enfrente de casa.

as vezes que você participava era apenas gritos que essas crianças eram muito levadas, que não aguentava e pronto saia de casa batendo a porta, eu ficava ainda mais nervosa, acreditando que era um coitado, pois ao inves de ficar descansando não aguentava o barulho e tinha que ficar na rua...

como eu era inocente, para não me chamar de imbecil mesmo.... era tudo planejado, sempre voce tinha compromisso agendado para sua "folga" um futebol com os alegres amigos ou até encontros extra conjugais com as mulheres que te entendiam....

quando retornava altas horas da noite, geralmente já bebado, jogava toda a culpa em nós que ficavamos em casa.

assim foram anos e anos...

demorei para abrir os olhos, mesmo alguns amigos seus vindo me contarem suas puladas de cercas, suas saidinhas com eles para se distrairem, eu não conseguia acreditar, pois assim que as crianças estavam maiorzinhas fui tambem trabalhar fora pois acreditava que poderia ajudar financeiramente afinal, casa com 6 crianças mais 2 adultos as despesas eram muito pesadas somente para você, que a partir dai eu nunca mais vi seu salario, pagava o aluguel e o resto? o resto eu pagava, fazia mercado e na epoca nem notava...

mesmo assim te agradeço pois saindo para trabalhar tambem conheci pessoas maravilhosas, afinal, não moravamos juntos e não tinhamos problemas em comum.... assim era divertido e me fez muito bem, varias vezes fui cantada, mas fingia que não notava, pensava só em você e nas crianças, mesmo eles já grandes, para mim sempre são minhas crianças.

nessa epoca lembra como você me dizia?

- Pronto vai... vai lá pro seu "servicinho" , pro seus machos!

naquela epoca era o mesmo que enfiar uma faca em meu peito. mas as crianças estavam sempre com um sapatinho novo, ou uma roupinha, cada mes eu comprava para um e ate para você eu tambem comprava, nunca te agradava mas usava assim mesmo, esse era o motivo para não desistir, ver os rostinhos deles alegres, olhinhos brilhantes com os brinquedos que conseguia comprar valia qualquer sacrificio.

logico que se fosse hoje ou se minha mãe tivesse me educado diferente, com certeza não estariamos juntos...

com o passar dos anos foi me falando que eu era amarga lembra? hoje dou risada... pois amarga nunca fui, sofrida? sim e por sua causa! nunca me tratou como mulher, companheira, cumplice, ficava cantando aos quatro ventos como era bom marido e otimo pai! não vou te contar não mas nunca foi. bom marido não deixaria passar o que passei e ainda sendo traida em todos os termos, pensaria nas suas folgas aonde levariamos para nos divertir, como fazer para pagar uma faxineira para me ajudar... e outras coisas que tambem o teriam transformado em otimo pai pois seria uma seguencia de como deixar a minha familia feliz e melhor. mas nunca fez ou pensou algo nesse sentido.

nossa agora me lembrei: no dia que eu recebia eu levava as crianças em uma lanchonete e ai você ia, não para pagar... mas para os outros verem como era "maravilhoso"...

sempre me chama de velha, será que vou ter que te lembrar que está com 79 anos?

mas enfim, fazem 8 anos que abri o olhos, não sei precisar o momento exato, talvez foi no momento que você estava aguardando a vizinha chegar do mercado para ajuda-la carregar a sacola pesada... ou quando resolveu fazer seu trabalho em nossa garagem, fazendo de graça para os "amigos"... realmente não sei, mas foi otimo me reencontrar, me ajustar, voltar a realidade que nosso casamento nunca foi de companheiros, parceiros, cumplices amigos, amor, carinho, atenção e etc etc etc....

mas hoje mesmo estando ciente de tudo que me fez estou aqui, te cuidando, te ajudando, não posso disser que tenho sentimento de irmã para você, muito menos que sou sua amiga, mas posso lhe garantir que apesar de tudo, de hoje você estar ai esquecido do seu mundo, nossos filhos, netos te amam, como sempre amaram, só você não notava pois estava muito preocupado em agradar os outros para ser amado. tenho pena de você, dó mesmo e esse é meu sentimento.

hoje tenho uma secretaria que vem uma vez por semana limpar a casa para mim, já que a saude não me permite muitas coisas, mas minha aposentadoria que paga.

não imagine que tenho odio ou raiva por tudo, mesmo me falando que tenho coração negro, sou agradecida por tudo, vivi imaginando um castelo de areia que desmoronou depois de 38 anos... viu que imaginação fertil tenho? e agora me reencontrei o que você fala, diz ou pensa não me atinge mais e te cuidarei até Deus me chamar.

obrigada mesmo por tudo e se um dia partir antes com certeza sentirei sua falta.

autora: (Cyda Ferraz)

Cyda Rigamonti
Enviado por Cyda Rigamonti em 18/11/2014
Reeditado em 26/11/2014
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