Aeroporto
Eu e meu marido temos 3 filhos, hoje casados ou vivendo suas vidas independentes de nós. Desde que nasceram nos preocupamos em lhes dar um objetivo na vida. Quando crianças os motivávamos a que aprendessem a usar a mente para resolver seus problemas. Foram estimulados de formas variadas. Líamos muito a respeito do assunto, queríamos acertar.
Conforme foram crescendo, nossa preocupação ia mudando de foco e na adolescência o que nos fazia perder o sono era com relação ao lado profissional. Nos preocupávamos em como fariam para usar o que lhes ensinamos na arte de ganhar dinheiro. Sabíamos que precisavam de uma boa profissão.
Quando nos foi apresentada a oportunidade de trabalhar com cargas aéreas em Maringá, vimos uma boa maneira de lhes dar responsabilidade e aprendizado prático. Nada sabíamos sobre o assunto e na verdade nem havíamos voado ainda. Pegamos nossas parcas economias e nos mudamos para um apartamentozinho próximo a Catedral, a bela igreja estilizada e clean no centro de Maringá. Aliás Maringá é uma bela cidade, com ruas largas e arborizadas, belas avenidas e jardins. Embora nossa vida se resumisse basicamente a coletar e embarcar mercadorias e receber e despachar voos diariamente de segunda a segunda e quase não nos sobrar tempo para aproveitar as belezas da cidade; vez ou outra nos reuníamos em restaurantes de shopping ´para comemorar essa ou aquela conquista.
Que aliás foram várias. Nossa necessidade de aprender e fazer dar certo era tanta que rapidamente nos tornamos “experts” no assunto. Aprendemos as normas da companhia que prestávamos serviços, a dinâmica do aeroporto e a capacidade das nossas aeronaves em escoar a carga. Quando assumimos poucas pessoas tinha o habito de usar esse meio de transporte para levar as suas mercadorias aos clientes nas capitais dos estados do Brasil.
Nossa forma de atuar foi sendo improvisada, uma vez que não tínhamos experiência nenhuma nesse ramo de negócio. Eu ligava de forma aleatória para as empresas que poderiam exportar suas mercadorias, usando uma lista telefônica. Aos poucos, nossa dedicação foi trazendo retorno. Além das dificuldades normais do negócio ainda tínhamos que lidar com o pouco suporte oferecido pela nossa parceira. O sistema era falho e meu filho mais novo, na época com 16 anos criou dispositivos para driblar esse problema. Montamos uma força tarefa longe do aeroporto para atendimento de telefone, encaminhamento de coletas e entregas e orçamentos. Estava dando muito certo, saímos de um faturamento mensal na casa dos vinte mil reais, para um movimento bem superior a 150 mil reais em pouco mais de um ano. Nesse período tivemos muitas histórias hilárias e outras, meio tristes.
Uma delas foi a necessidade que tive de arrumar um lar para minha cachorrinha de estimação. Ela era uma vira-latas parecida com uma maltesa de pelos longos e brancos. Seu focinho era castanho, e seus olhinhos bem pretos olhavam-me com ar apaixonado. O apartamento para onde nos mudamos não permitia cães e não tínhamos onde deixa-la. Tentei de várias maneiras em vão. Coloquei em um hotel de cães por um mês e quando fui pegá-la estava magra, triste,suja e acuada. Acredito que a deixaram presa o tempo todo sem carinho e sem atenção. Não tive escolha a não ser começar a procurar um lar para ela. Algumas pessoas se interessaram em adotá-la, mas eu precisava aprovar o ambiente e a família que a receberia. Fui visitar várias casas mas nenhuma me pareceu boa o bastante para minha cadelinha mimada. Até que uma manhã recebi a visita de uma pessoa interessada, era a empregada de minha vizinha. Ela chegou com seu filho de dez anos. Imediatamente pensei em descarta-la, pois a Mel, sim ela se chamava Mel, devido a uma manchinha marrom nas costinhas e nas orelhinhas, não suportava meninos. Ela costumava rosnar para eles e se tivesse a chance morderia. Eu estava me desanimando, ao ponto de orar a Deus ´para que me desse uma solução.
Eis que a Mel inexplicavelmente se aproximou do menino abanando o rabinho de felicidade, pareceu –me que ela os escolhera. Fui buscar suas coisinhas: pratinho, coleira, shampoo, ração... Entreguei-a com lágrimas nos olhos, e até hoje confesso que me emociono ao contar essa história, mesmo tendo se passado mais de oito anos. Por um bom tempo senti medo que ela fugisse da nova casa para vir a nossa procura. Tinha medo pelo fato dela ser feroz e achava que poderia se tornar uma cachorrinha de rua. Se fosse hoje eu iria dar um jeito de ficar com ela, mas naquela época não vi nenhuma saída.
Tivemos várias situações difíceis, além dessa, algumas foram gratificantes outras nem tanto. Em meio a isso meus filhos foram crescendo e se desenvolvendo e aos poucos se afastando do ninho para formar seus próprios ninhos. Até ali eram meus meninos, dali em diante se tornariam os homens que são hoje. Um deles continua em Maringá, está quase terminando a faculdade de direito. O mais velho veio morar em São Paulo, trabalha como desenhista de projetos de engenharia, tem dois filhos muito lindos. O mais novo se formou na UEM, fez Ciência da Computação e hoje trabalha numa empresa na Alemanha.
Perdemos nossa franquia de cargas, mas acredito que cumprimos nossa missão. Nossos filhos se desenvolveram satisfatoriamente. Estamos orgulhosos do progresso deles.
Nosso trabalho no aeroporto foi meio que um divisor de águas, nossas vidas foram marcadas com um AA e DA (antes do aeroporto e depois do aeroporto).
Não fomos mais os mesmos, antes éramos cinco vivendo sob um mesmo teto, quando perdemos nossa franquia de forma arbitrária, tivemos que nos dispersar. Cada um foi para um lado a procura de uma forma de sobreviver. Como dizem há males que vem para o bem, e o que poderia ter sido um algo ruim, foi de certa forma bom. Tínhamos formado a base, o restante do edifício foi construído por eles. Hoje olhando para trás, apesar de que aqueles dias foram sufocantes e cansativos, não vejo como poderia ter sido diferente. Crescemos juntos, nos conhecemos, desenvolvemos - nos, aprendemos.
O que temos hoje em dia ninguém nos roubará mais. Voamos nossos voos e alcançamos o alto.