Os cinco ex-noivos de Isabelita
Já aos quinze anos, Isabel, que todos chamavam amavelmente de Isabelita, demonstrava precocidade para as coisas do amor. Seu sonho era encontrar rapaz rico, bonito, elegante, inteligente, carinhoso e disponível para viajar com ela pelo mundo a fora.
Mas, convenhamos, encontrar todas essas qualidades em uma só pessoa seria quase ou mesmo impossível. Na sua cabecinha de adolescente nada era impossível. Era só esperar um pouco, pensava ela.
Ela mesma se achava muito bonita, e realmente era; inteligente, nem tanto; rica, não tinha onde cair morta, como se diz das pessoas de parcos recursos. Com relação ao carinho e ao viajar pelo mundo, isso lhe sobrava, pois era realmente um doce de criatura, e para a vontade de conhecer o mundo, nada seria empecilho para ela.
Seu primeiro namorado foi um rapaz de sua rua, conhecido ainda no período da infância, filho de rico fazendeiro local. Aos 16 anos, ela foi pedida em noivado. Como naquela época não era permitido contato mais amiúde entre namorados ou noivos, pouco ela conhecia dos hábitos de seu pretendente, muito menos da família dele, e vice-versa. Pessoal um pouco rude, que só pensava em guardar dinheiro, de aumentar as terras da fazenda e o patrimônio da família, nada de ostentação. Garota de família remediada, não esbanjadora de dinheiro, mas bonita, prendada e sem muitas ambições – pensavam, serviria muito bem para o único herdeiro da família.
Com o aumento na frequência dos contatos entre noivos e familiares, ficou claro para ambas as partes que elas estavam completamente erradas a respeito um do outro. Para ela só havia um rosto bonito e dinheiro na vida daquele rapaz, nada de elegância, inteligência e vontade de ganhar o mundo.
Para a família do rapaz, a garota era ambiciosa, sonhava sair esbanjando dinheiro por aí e nada sabia fazer que demonstrasse vir a ser boa dona de casa. Só lhe restava a beleza, e rosto bonito sobravam na cidade. Depois de dez meses de noivado, ele foi desfeito.
O rapaz sofreu muito, pois estava gostando realmente de Isabelita, a culpa do rompimento foi da família dele. Ele apenas obedeceu. Já a menina não se importou muito, pois, segundo ela, não seria difícil encontrar o seu príncipe encantado, homem havia aos montes, pensava ela.
O tempo passava e a bela menina não encontrava o seu par perfeito. Aos vinte anos sua exigência estava menos rigorosa. O rapaz não precisava ser bonito, apenas rico, inteligente e carinhoso. Mas teria que gostar de viajar muito.
Apareceu Roberto, filho de um industrial da cidade vizinha à dela. Óculos fundo de garrafa, cara de inteligente, um pouco mais velho do que ela, gostava de cinema, teatro e frequentar restaurantes de primeira linha. Não era carinhoso, ao contrário, gostava de ser ríspido, cultura herdada do chão de fábrica, de gritar com os operários de seu pai, já que era o seu braço direito na direção da Briluxo Automotiva, Tintas e Vernizes S.A.
Isabel, como ele obrigava que a chamassem, não aguentou um ano de noivado, a rispidez para com ela só aumentava. Ela era proibida de sair sozinha, de visitar as amigas e de se vestir à sua maneira. O jeito foi mandá-lo rodar, dizia Isabelita.
Aos vinte e cinco anos, Isabelita conheceu Evandro, funcionário público federal, advogado, lotado na Advocacia Geral da União – AGU, bom salário, elegante, educado e ambicioso. Seu sonho era ser juiz, o que o levava a viver estudando e a fazer concurso – um verdadeiro concurseiro. Não tinha tempo para viajar e pouco para dedicar à namorada. Isabelita se conformava com esta situação, pois esperava e tinha fé de Evandro um dia ser juiz, cargo que permitiria ao namorado ganhar mais e ter mais tempo para viajarem juntos. O tempo passou. Evandro não chegou a ser juiz e Isabelita o dispensou de suas funções de noivo.
Pouco preocupada em não realizar seus sonhos de viajante, Isabel desceu mais ainda em suas exigências matrimoniais. Passou a frequentar barzinhos e locais de reunião social de rapazes já maduros e responsáveis. Feio, bonito, elegante, rico, isso não mais importava. Bastava que gostasse dela e de viajar. Deu de cara com Alfredo, boêmio por convicção e mochileiro também por convicção. Já adolescente, percorreu toda a Europa de carona, dormindo em albergues, e refeições à base de sanduíches e pratos de sopa dos albergues. Fazia tempo que ele não viajava, mas para Isabelita era uma promessa. Tinha ele quarenta anos e ela trinta e cinco.
Por insistência dela ficaram noivos. Nesse tempo ela já podia viajar com o noivo, mas foram apenas até a Bolívia, acompanhando um casal amigo dele. Como não tinham dinheiro, aproveitaram pouco da viagem. Nada mais lhe foi prometido, o tempo passou e as viagens dos sonhos dela não aconteceram. Entediada, ela rompeu o noivado. Ele saiu dessa satisfeito, pois ficava apavorado em ter que cuidar, caso se casasse, do viuvário: mãe e a avó, ambas viúvas, que residiam com Isabelita.
Já quarentona, Isabelita, não tão formosa como antes, mas ainda guardando certo charme, apelou. Conheceu um viúvo com sessenta e oito anos, rico, sem herdeiros, e vivendo em uma propriedade cheia de empregados. Casaram-se, sua avó e mãe foram morar com ela, sendo cuidadas por uma enfermeira. O casal partiu em lua de mel em um cruzeiro pela Europa e de lá mandam cartões postais para as velhas senhoras, contando das delícias da viagem.
Gilberto Carvalho Pereira
Fortaleza (CE), 2014