Casamento na fazenda
Faltavam quinze minutos para as dezoito horas quando o ilustre casal chegou ao local do casamento, a pequena capela construída pelo senhor Clodoaldo, proprietário da Fazenda Riacho Seco, na localidade Lagoa dos Cavalos, Russas, Ceará, que dista 165 km de Fortaleza.
Malvina, filha de seu Clodoaldo – Sr. Codó - com dona Maria Etelvina é a quinta filha do casal de um total de dez filhos, e a única a ter diploma universitário, formada em pedagogia pela Universidade Estadual. Naquele dia estaria se se casando com o garçom Ginaldo, seu namorado desde quatorze anos de idade.
O casal que os convidados, familiares e Malvina esperavam era Vilma e Gualberto, os padrinhos da noiva, que tinham sido seus professores e grande incentivadores durante o curso de pedagogia. Se não fossem eles, a festa de formatura não teria acontecido e, talvez, nem mesmo o casamento estaria para acontecer. Malvina tinha planos de desistir de estudar ainda no primeiro ano de faculdade, as dificuldades eram muitas, principalmente por ser ela mãe solteira e morar longe da capital, onde se encontra instalada a Universidade que ela cursou. Obrigada a morar longe do filho e a ter que percorrer todas as segundas-feiras e sextas-feiras mais de 160 km de ônibus que a deixava muito cansada. Ainda mais que nas segundas ela sai sedo de casa e nas sextas ela voltava tarde da noite. Quase não tinha tempo para cuidar do filho, tarefa executada pela mãe, já muito desgastada pelo tempo e pelo trabalho ao cuidado de seus próprios filhos.
Foi o casal Vilma e Gualberto que acolheu Malvina quando ela estava prestes a largar a faculdade. Não tinha parentes na cidade e o aluguel em pensionato ou coisa do gênero estava pela hora da morte. Acomodada na casa dos professores ela passou a contar com local para dormir e estudar com tranquilidade. A amizade entre ela e a professora Vilma era como amizade de duas irmãs, não obstante a diferença de idade.
O casamento estava marcado para as dezoito horas e trinta minutos. A chegada do casal de professor sossegou os noivos, familiares e convidados, pois já estava tudo pronto. A pequena capela toda enfeitada, os convidados, muitas de vestido cumprido, talvez pela primeira vez, desfilavam pelo pátio de barro batido em frente à igrejinha, os homem, todos vestidos com a melhor roupa se postavam ao longo da mureta que delimitava o pátio. Havia pouca luz no ambiente, mas como todos se conheciam isso não era problema. Já passavam das dezoito e trinta quando o padre chegou. Era outro “convidado” aguardado ansiosamente por todos os presentes. Ele não falou com ninguém, era de outra localidade e não conhecia vivalma daquela localidade. O padre,que às vezes rezava missa aos domingos na igrejinha, morrera há mais de oito meses e a diocese ainda não havia designado outro para substituí-lo. A cerimônia foi rápida, como também foi rápida a saída do padre, nem aceitou participar da festança, coisa comum em casamentos por aquelas bandas. Depois se percebeu que no carro do padre o esperava uma jovem mulher, que todos alardearam ser a mulher do padre, por isso a pressa e a declinação do convite para participar da festa.
Perto dali, em frente à casa da fazenda, se viam mesas e cadeiras brancas dispostas em filas de cinco carreiras, cada carreira com dez mesas, todas cobertas por toalhas brancas. Ao lado da última carreira da esquerda se via também uma grande churrasqueira, onde muitos espetos com grandes pedaços de carne de carneiro estavam sobre fogo ardente. Seria festa para muitas horas, - pensou Gualberto. Muitos depósitos contendo cerveja e gelo em abundância.
O casal de professores não aguentaria ficar até o fim da festa, por isso iriam providenciar um hotel para passarem a noite. O noivo, agora marido de Malvina informou-lhes que não seria possível acomodá-los em hotel, pois o único existente na cidade estava lotado. Foi quando se lembraram da professora Lourdes, amiga da família, e que morava há seis quilômetros do local da festa. A professora foi consultada e aceitou hospedar o ilustre casal. Ao término da festa, três horas do outro dia, Vilma, Gualberto e a professora Lourdes foram descansar. Casa simples, mas muito cuidada. Foi dado ao casal um quarto com cama de casal. A proprietária da casa esclareceu que ela era viúva e que o marido havia morrido há um ano. Morte horrível, por questões políticas, baleado em plena praça, e por um velho amigo que passou a militar em outro partido. Coisas da política interiorana.
Muito cansados Vilma e Gualberto foram logo dormir, isto é, tentar dormir, pois algo os incomodava. Um barulho estranho vinha do quarto ao lado, onde estava a professora Lourdes. Ela chorava e ria ao mesmo tempo, pedia perdão pelo que estava fazendo e pronunciava palavras quase sempre irreconhecíveis, uma ou outra dava para perceber que se tratava de um ritual de magia. Ela invocava a presença do marido.
Assustado, o casal se preparou para deixar o quarto. Pé ante pé pegaram suas coisas, foram até a sala de visita da casa a procura das chaves da porta. Ao se dirigirem à porta, já com as chaves na mão, esbarram em uma mesa de centro derrubando um jarro, que ao cair fez tremendo barulho. De dentro do quarto, aos gritos, saiu a professora Lourdes, ainda com o vestido usado na festa, maquiagem retocada e logo atrás um garoto de mais ou menos vinte anos, completamente nu e todo coberto por marcas de batom. Ao se depararem com o casal visitante, perceberam que haviam sido descobertos.
Envergonhados, as duas personagens, de cabeças baixas, pediam desculpas e imploravam que nada daquilo que eles haviam presenciado poderia sair daquele ambiente. A professora Lourdes implorava a compreensão do casal, dizendo que aquilo nunca acontecera anteriormente, era a primeira vez. Também cabisbaixo o casal nada falava, apontou para a porta e fez gesto para que alguém dali abrisse a porta. Que eles estavam de saída, pois precisava chegar cedo a Fortaleza. A porta foi aberta, o casal saiu, retiraram o carro da garagem e foram em direção à estrada. Toda aquela confusão tirou o sono de Gualberto, que dirigia tranquilamente seu veículo. De repente Vilma deixou de reprimir aquilo que estava lhe sufocando e deu uma gostosa gargalhada, que foi acompanhada pelo marido. Durante toda a viagem eles quase não se falaram, mas, vez por outra, um deles despejava uma nova gargalhada. Foi assim durante toda a viagem. Nunca mais ouviram falar da professora Lourdes.
Gilberto Carvalho Pereira
Fortaleza (CE), 2012