Mais um dia que eu não morri.
Sempre me perguntei se no dia da morte eu sentiria alguma coisa, um aviso, um sinal diferente assim que eu me levantasse. Um sinal que mandasse eu me preparar, pois aquele seria meu ultimo dia.
Esse sinal realmente existiu só que para meu azar ele demorou muito mais que um dia.
A morte caminhou ao meu lado por longos seis meses, me mostrando como era fácil partir, me dando sinais que eu seria levado a qualquer momento.
Mas o estranho é que a morte me fez viver, a morte estando tão perto me tornava poderoso, os problemas do mundo já não incomodavam mais, as brigas, a falta daquele carro novo, ou de um emprego melhor, nada disso me deixava triste, pois eu sabia que não iria durar pra mostrar aquilo para meus vizinhos, não duraria em um emprego novo nem desfrutaria de um carro esportivo. O câncer havia me tocado, estágio 3 e evoluindo, pra que eu iria aguentar um patrão ao qual eu detestava ou até um emprego que não levaria a nada?
Foi quando comecei a valorizar os dias, os minutos e buscar o que eu realmente queria.
Não fazia mais nada pra agradar ninguém, larguei meu trabalho, comecei a gastar minhas economias com hobbys e viagens.
Comecei a valorizar pequenos momentos, como conversar com um mendigo na rua, ouvir sua história, sem motivos, só por ter tempo de ouvi-lo sem nenhum interesse, apenas ouvir a estória dele e isso me trazia conforto, saber que estou ajudando pessoas, tirando sorrisos ao invés de me preocupar só comigo.
Fui falar com amigos antigos, passava muito mais tempo perto de meus familiares.
E nada me afetava, nem o ar arrogante do meu irmão que só me colocava pra baixo, era um advogado de sucesso e matava meus pais de orgulho, enquanto eu, nem a faculdade havia começado por não saber pra onde ir. Mas também de que adianta uma faculdade agora.
Não brigava mais com meus pais nem com meu irmão e também não brigava mais no transito.
Tudo passava devagar, eu olhava cada coisa pensado que poderia ser a ultima vez que eu estava olhando.
Aproveitava os dias de chuva e saia, ficava deitado na grama, sentindo cada gota tocar meu corpo, olhava para o céu pensando se eu iria pra lá ou desceria, pensava se realmente isso existia.
Quando ia dormir eu me contentava por ter sobrevivido mais um dia, por ter feito coisas que eu realmente queria.
Hoje aquele hobby que eu acabei começando por prazer, me traz lucro, até mais do que eu ganhava no emprego medíocre que eu mês sustentava.
Vivo com prazer, vivo meu caminho para morte sentindo ao máximo os prazeres de uma vida, uma vida que eu sei que está se acabando, mas qual não está?
Hoje levo a morte ao meu lado, muito mais próxima, uma amiga, uma conselheira, a morte me faz viver, a morte me faz valorizar as coisas de verdade, a morte hoje me mostra o valor da vida, das pessoas e dos momentos.
E hoje eu agradeço esta companhia, pois ainda tenho uns três meses de uma vida de verdade, três meses de aviso, três meses que vou viver intensamente, coisa que eu nunca iria fazer se não estivesse morrendo.
O pior é saber que eu precisei conhecer a morte pra viver e as pessoas ao meu redor acham vivem como se fossem indestrutíveis, vivem como se fossem durar pra sempre, sem enxergar que ao lado a Morte caminha, de longe ou de perto, só aguardando sua senha ser chamada para lhe levar.
Estou comemorando hoje, comemorando mais um dia que eu não morri e acho que você também deveria estar.