A senhora do apartamento ao lado

São seis horas da manhã. José Carlos já está de pé. Ansioso ele espera o tling tling da chave abrindo a porta do apartamento ao lado do seu.

- É ela! - exclamou baixinho José Carlos, olhando para o seu relógio Rolex de ouro, 6h45min, pontualíssima, agora posso sair, pensou, já endireitando sua camisa que teimava em sair de dentro das calças. Era curta demais para ali ficar comportadamente.

O ambiente é um luxuoso prédio de apartamentos encravado bem defronte à bela Praia de Iracema, mais precisamente na Avenida Beira Mar, Fortaleza, Ceará. Os nossos dois personagens são José Carlos, próspero construtor e diretor de uma das maiores construtoras do Brasil, que recentemente e por vontade própria, transferiu-se de São Paulo para Fortaleza. Depois de um casamento de mais de 25 anos, dois filhos, ele pediu o divórcio por não mais confiar na esposa. Encontra-se morando em Fortaleza há uns doze meses. Viu Clarice pela primeira vez no mês passado. Encontraram-se no belo e espaçoso hall que recepciona o elevador social do condomínio do Edifício Califórnia.

No primeiro dia foi só um cumprimento de um bom dia, mas o sorriso da bela, elegante e sofisticada senhora o deixou bastante perturbado. Ele havia feito promessa a si mesmo que por algum tempo não iria se interessar por mulher nenhuma. Iria desfrutar a liberdade de solteiro para viajar pelo mundo, conhecer pessoas, preparar seu corpo para os anos avançados, que por certo virão, uma maneira de disciplinar sua mente, seu corpo e, principalmente, o coração. Tudo isso sem deixar de assistir às suas empresas, mas sabia que tinha formado excelente equipe de diretores e auxiliares, com seus dois filhos, também engenheiros, à frente, e assim encontrava-se tranquilo e disposto a esquecer os amargos últimos anos de casado.

Clarice, senhora jovem, extrovertida, alegre, mas com senso de responsabilidade fora do comum, entres jovens ricas. Nasceu em família de classe média, cursou medicina e se casou com um dos cirurgiões mais renomados da cidade, seu ex-professor, com clientela rica e disposta a pagar qualquer preço por saúde. Durante os seus 50 anos como especialista em cirurgia cardíaca, com título de Doutor e currículo invejável, o marido de Clarice, trinta e cinco anos mais velho do que ela, amealhou riqueza incalculável, permitindo-lhe implementar um dos melhores e mais bem aparelhados hospitais da Região Nordeste, para onde convergem personalidades e ricaços em busca de verem solucionados seus problemas cardiovasculares e consequências.

Do casamento de Clarice nenhum filho, seu marido de tão preocupado com o trabalho, esqueceu desse detalhe. Quando acordou para o fato, a idade já não lhe permitia procriar. Mas isso não abalou a vida de Clarice, ela também prezava sua liberdade, de poder viajar a eventos ligados à sua especialidade médica, cirurgiã plástica, e de muita competência, avaliada pela sua enorme clientela que acorria à sua clinica.

O choque de gerações, entretanto, tem sido sempre empecilho à harmonia e boa convivência do casal. Ela sempre gostou de badalações, de ser notícia nas colunas sociais, de jantares e noitadas com casais amigos. Poucos sabiam de seu passado de menina classe média, das dificuldades que passou quando o pai morrera, quando a mãe teve que sustentar a família com trabalho duro, como complementação salarial da pensão deixada pelo marido, em casa de família, com três filhos para criar e ainda fazer da filha médica, redenção do grupo.

O marido, sempre cansado, primeiro pelas longas horas de trabalho como médico e depois como diretor-proprietário do Hospital São João de Deus, protetor dos doentes do coração e agora, pela idade, nunca gostou de badalações e festas, quase não acompanhava a bela esposa em suas viagens e noitadas. Sabia que ela sempre voltava para casa, mesmo que fosse só porque não gostava de deixar para trás a vida de mordomias, de conforto, que levava vivendo em companhia do marido. - Deixar aquele apartamento, nunca! Pensava ela.

Voltando ao início do de nossa história, José Carlos esperou que Clarice abrisse a porta de seu apartamento, colocou a chave, que trazia à mão, na fechadura e deu duas voltas completas. A porta se abriu e ele se deparou com aquela escultura defronte ao elevador. Irrequieta, ela esperava a chegada da máquina que a transportaria, em deslocação vertical, até a garagem onde encontraria o seu motorista à sua espera, para levá-la à sua clinica para mais um dia de trabalho.

Ao vê-lo, Clarice lhe ofereceu o seu largo e belo sorriso:

- Bom dia, aqui vamos nós para a nossa labuta diária. Não acho que seja coincidências esse nosso encontro diário. Já estou me acostumando a isso, acrescentou a jovem senhora, sempre sorrindo.

Desconcertado, José Carlos corou, seu rosto agora ardia de vergonha, não sabia como sair dessa saia justa. Ele nem tinha percebido a assiduidade desses encontros. O elevador chegou, eles entraram e ficaram as sós, um fazendo companhia ao outro. Ambos moravam no mesmo andar, 20º, nesta hora da manhã ninguém os faria companhia, era muito cedo, eles teriam, assim, alguns minutos para conversar. Era a primeira vez que essa oportunidade se apresentava, das outras ambos permaneceram mudos por todo o percurso do elevador. Para desfazer o desembaraço inicial, José Carlos, tomou a iniciativa e perguntou:

- A senhora trabalha muito, eu quase não a vejo, a não ser nesses momentos. Gostaria de ampliar os nossos contatos, para nos conhecermos melhor.

- Realmente sou muito ocupada, igualmente ao senhor, mas tenho e prezo meus momentos de lazer. Gosto de sair com amigos, embora meu marido não goste, de viajar, de fazer visitas e fazer compras, é claro!

- Primeiramente, vamos acabar com cerimônias, deixar os pronomes de tratamento para lá, caso concorde. Quero começar nossa amizade sem barreiras, sem protocolos formais.

- De minha parte, não faço objeção, também não gosto de formalidades.

O elevador chegou ao seu destino, os dois caminharam para os seus respectivos veículos, sem antes trocarem cumprimentos e beijinho de despedida. Para José Carlos, um bom sinal, pois conseguira quebrar o gelo dos encontros anteriores. Para Clarice, um encontro como outro qualquer, nada de interessante. Ela estava mais preocupada com os procedimentos que realizaria em sua clínica logo mais. Sua paciente já se encontrava internada desde a noite passada, para se submeter a uma dermolipectomia abdominal, depois de gravidez que provocou a distensão de seu abdome, deixando-o flácido e com pele abundante.

Os encontros matinais prosseguiram, agora mais descontraídos, conversavam sobre tudo, exatamente no tempo do percurso do elevador, pois na garagem se separavam, com os beijinhos e um até logo costumeiros. Isso não tirava o ânimo de José Carlos, ele sabia ser cauteloso e confiava em seus dotes de beleza e físicos. Era como comer pelas beiradas, um dia ele chegaria ao centro, ao cerne da questão, conquistá-la. Ele tinha informações que o casamento dela era de fachada, que eles não se entendiam há muito tempo. Ele poderia oferecer a segurança financeira e a estabilidade emocional que ela necessitava. Também tinha muito amor para compartilhar.

Nos dias que se seguiram o entusiasmo de José Carlos aumentava. Na sexta-feira ele criou coragem e a convidou para uma noitada, ela aceitou prontamente, mas informou que levaria uma companheira. Surpreso, José Carlos não teve como não concordar. Ele queria um tempo só com ela, para dizer da paixão que sentia, dos momentos de aflição que passara para criar coragem e fazer-lhe aquele convite. Rapidamente se refez do susto e disse que não haveria problema caso a amiga fosse. Marcaram o local e a hora do encontro. Ela não queria ser vista saindo com ele do edifício onde moravam.

Na hora marcada ele entrou no TopFive Bar, de pronto estranhou o ambiente. Mesmo na penumbra reconheceu Clarice, percebeu a presença da amiga e surpreendeu-se com a atitude de ambas. Esperou um pouco, recuou e saiu desesperado, esturvinhado. A cena que viu não o agradou, os carinhos que Clarice recebia da amiga tirou-lhe o tesão, seu deseja carnal por aquela mulher dissipou-se, seu coração se confrangeu e ele enlanguesceu-se. No caminho para casa, já recuperado do susto decidiu viajar para as Ilhas Gregas, aceitar o convite do irmão que mora lá. Na manhã seguinte não foi trabalhar, ficou em contato com seu agente de viagem. Clarice entendeu a reação dele, já estava acostumada a comportamentos semelhantes.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 08/11/2014
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