As arquitetas
Quatro amigas, todas arquitetas, foram visitar uma pequena cidade do interior do Pará, que guarda algumas relíquias históricas, rico patrimônio, mas que estava sendo destruído pelo tempo e pelo descaso das autoridades locais.
A primeira visita seria de reconhecimento do sitio arqueológico, pois o conhecimento que as quatro interessantes jovens detinha do local era por informações de amigos e ex-moradores daquela localidade.
Elas haviam partido de Belém na sexta-feira, às 23 horas, e a viagem durou cerca de sete horas. Foi uma viagem nada agradável, pois a estrada era péssima, o ônibus que as levou não oferecia conforto nenhum e parava muito, para apanhar passageiros, apesar da escuridão reinante fora do veículo, só chamado assim porque se movimentava.
Entrava gente carregando sacos de farinha, açúcar, frutas, principalmente açaí, bacaba, cupuaçu, castanha-do-pará, bacuri, pupunha, tucumã, muruci, piquiá, taperebá, biribá, cacau, cupuaçu, e verduras, como cheiro-verde, jambu, também conhecido como agrião-do-pará, cebola e outras.
As aves, principalmente patos e galinhas, estavam acondicionadas em paneiros, cesto feito de talas de guarimã, guarumã ou arumã. Os peixes em isopor contendo gelo, para não estragar o produto, algumas caças e quelônios ainda vivos. Tinha também utensílios domésticos como bacias, panelas, copos de alumínio e utensílios de barro. As aves e quelônios viajaram dentro do ônibus, junto aos seus proprietários. Os demais produtos no compartimento próprio para as bagagens. Tudo isso estava sendo levado para a feira, que acontece todos os sábados, na cidade.
As jovens não conseguiam dormir e passaram à noite inteira conversando entre elas, planejando as suas atividades para o sábado. Acertaram que iriam procurar o prefeito local e oferecer seus serviços, de graça, um projeto de revitalização do sítio arqueológico que pessimamente ele administrava.
- E se o prefeito não topar? Perguntou Marina, a mais cética e medrosa do grupo.
- Nós vamos falar com jeito, sem assustá-lo, disse Luisa, a mais centrada das quatro.
-É, vamos fazer o projeto e se ele não aceitar a execução, vamos ao governador, falou com autoridade de seus 24 anos de idade, Giovanna.
Era um entusiasmo só. Pela primeira vez, depois de formadas o quarteto iria por em prática o que elas aprenderam em sala de aula. Seria trabalho voluntário, mas elas estavam apostando nisso para o sucesso profissional futuro. Por isso o empenho deveria ser total, e o trabalho bem feito, digno de profissional comprometido e competente, pensavam as garotas.
A chega à cidade aconteceu sem problema, em dia já claro. As jovens pegaram suas mochilas e rumaram para um hotel, com quartos já reservados para elas. Estavam cansadas da viagem, mesmo assim resolveram só tomar banho, trocar de roupa, puseram uma mais confortável, e rumaram para a casa do prefeito.
Satisfeitas pelo consentimento e aprovação do prefeito, as arquitetas saíram para explorar a cidade, fotografar os locais, as casa, as ruas e seus calçamentos, as duas praças e seu monumento em homenagem ao fundador da cidade, o mercado municipal, o matadouro, a cadeia, as duas velhas igrejas, já bastante deterioradas, as quais o vigário local já não mais as utiliza para as missas dominicais, preferindo a pequena capela construída mais recentemente, por próspero comerciante e político local.
Foram realizadas entrevistas com as pessoas mais velhas da cidade e com as autoridades locais: prefeito, presidente da câmera de vereadores, delegado, e padre. As informações colhidas nas entrevistas serviram para compor a parte descritiva do projeto.
Foi um trabalho estafante, todas ficaram bastante cansadas, pois nem mesmo haviam almoçado, comeram apenas biscoitos e bolo trazidos nas mochilas. Terminado o trabalho foram para o hotel, tomaram banho novamente, comeram sanduíche, comprado no bar em frente ao hotel. Ficaram conversando sobre o projeto até às 2 horas da manhã do domingo. Bastante exaustas foram dormir, esperando fechar o projeto no dia seguinte.
O cansaço não as deixou acordar antes das 15 horas. Depois da higiene vesperal, foram saber sobre o almoço, quando receberam a notícia que ele não mais seria servido, já que a cozinha só funcionava até às 13 horas. Foi aí que também ficaram sabendo que no domingo o ônibus para a capital sai às 13 horas, isto é, já havia saído. Apavoradas perguntaram ao dono do hotel como elas fariam para voltar para casa.
– Não sei!, foi a resposta do dono do hotel.
Alguém próximo alertou para as moças que um caminhão, que estava descarregando peças de madeira, estava voltando para a capital dentro de 20 minutos, mas que era preciso perguntar ao dono se ele as levaria.
- Onde está parado esse caminhão? Perguntou Giovanna.
- Em frente ao depósito da loja de móveis, disse rápido o homem que as indicou o caminhão.
- Mas onde fica esse depósito? Quis saber Marina, esfregando as mãos uma na outra, ansiosa.
- Eu levo vocês até lá, respondeu o desconhecido.
As jovens se entreolharam preocupadas, pois era domingo, as ruas estavam desertas e pelo gesto que o homem fez, parecia estar longe o caminhão. Mesmo assim elas concordaram. Foram pegar as mochilas, que já estavam arrumadas, e partiram para o local onde estava estacionado o veículo que, com certeza, as levaria para casa.
O caminhão era mais novo que o ônibus que as trouxera para aquele lugar esquecido pelo tempo e pelas autoridades municipais e estaduais. Depois de confabularem bastante, o caminhoneiro consentiu em levá-las até Belém, desde que elas pagassem R$ 80,00.
- Nada mau, disse Luisa. No ônibus pagamos R$ 50,00 cada uma.
Tudo acordado e pago, chegou o momento de saber que iria na cabine e quem iria na carroceria.
- Na cabine só poderia viajar uma delas, informou o motorista. As meninas jogaram palitinho para saber quem iria à cabine; ganhou Marina, que pulava de satisfeita.
Primeiro, se acomodaram as que iriam à carroceria, sobre embalagens de isopor e sacos pretos usadas para proteger as peças de madeira. Marina ria o tempo todo, já irritando as amigas. Estas, já acostumadas com a ideia de ir naquela condição, se preocupavam em encontrar melhor jeito de se acomodar, pois seria uma longa viagem, embora em menos horas, pois não haveria paradas.
Marina então abriu a porta da cabine do caminhão, subiu com certa dificuldade, pois suas pernas eram pequenas, jogou sua mochila para trás e tentou se acomodar na melhor posição possível. Depois de inspecionar o caminhão, seu Geraldo, dono e motorista do veículo, de um salto só sentou-se em sua cadeira, colocando antes um saco que Marina desconhecia o seu conteúdo. Já acomodado, seu Geraldo tirou da cintura um revolver, que ela depois veio a saber que se trava de um Taurus, calibre 38 e 8 tiros de capacidade, muito usado por quem anda por aquelas bandas da Amazônia.
Seu Geraldo colocou o revolver sobre o saco contendo os caranguejos, deu partida no caminhão e ganhou a estrada. Depois de alguns minutos de viagem, Marina notou que dentro do saco havia coisas se mexendo. Com vergonha de perguntar, pois seu Geraldo era um bruto, um grosso, a moça virou-se para o lado e ficou observando a estrada e a exuberância da floresta amazônica.
Lá para as tantas os caranguejos começaram a andar sobre o revolver. Ela não olhava para eles, só ficava pensando sobre o que poderia acontecer se aqueles animaizinhos apertassem com suas puãs enormes (do tupi po'ã 'dedo polegar') o gatilho e a atingisse com uma bala. Ela se se encolhia toda para o lado da porta. Tentava sentar-se sobre as pernas, mas aí seus joelhos tocavam nos caranguejos. Não queria demonstrar que estava com medo, mas ele era tanto que o seu Geraldo percebeu e começou a rir alto. E isso a assustava mais ainda. Este homem é doido.. E se ele tentar me agarrar aqui dentro, eu vou gritar, pensava ela.
Enquanto isso, na carroceria, as três outras jovens dormiam sono profundo, pelo cansaço. Depois de muito tentar se desvencilhar dos caranguejos, Maria também dormiu. Sonhou que os caranguejos eram monstros e que falavam e andavam como ela. Todos carregavam armas iguais as do seu Geraldo, Eles estavam levando-a para uma nave espacial, e que ela seria usada como cobaia para melhorar o aspecto físico das próximas gerações de caranguejos. Somente próximo a Belém Marina, sobressaltada e gritando muito, acordou. Seu Geraldo carinhosamente a acalmou e disse que estavam chegando ao destino. Ele perguntou o endereço dela, pois pretendia deixá-la em sua casa. As outras jovens, receosas e apavoradas com o grito de Maria, pois não sabiam o que tinha acontecido na cabine, também preferiram ficar na casa de Marina.