Confissões De Ana Lucia

 
Ela entrou em sua própria casa como quem invade um cativeiro para salvar alguém: armada e atenta. A coragem, arma recém adquirida e paga com o despertar de sua consciência, fora-lhe entregue pelo padre Luiz. Depois de quase três anos de tolerância com suas lamúrias, o padre resolvera não dar-lhe a absolvição. Tampouco a condenara, mas dera-lhe a incumbência de sentir-se em paz apenas depois de confrontar-se consigo mesma e, segundo ele, admitir que a confissão de erros alheios não é o propósito desse sacramento. Portanto, ou ela confessava seus próprios pecados ou orientava suas amigas a procurá-lo elas mesmas.
Depois de muita discussão com o jovem padre, finalmente Ana Lúcia deu-se conta de que tudo o que ele sabia eram os desvios de caráter de Gláucia, Agnes e Marluci. Dela mesma, o sacerdote só sabia da indignação sentida diante das falsas atitudes das - mais falsas ainda -, amigas.
Alertada e alarmada, Ana Lúcia resolveu voltar na próxima semana com um autoexame de consciência justo e severo. Corajosamente, começou a repensar suas atitudes. Pensou, pesou e ponderou com um pouquinho de compaixão, é claro, seu comportamento, seus sentimentos e seu jeito de ser amiga. A tarefa foi árdua. Por vezes, chegou a derramar lágrimas e a pedir para seu finado marido que intercedesse por ela, lá de onde estava, lá do paraíso, lugar para onde vão as almas puras e afeitas ao amor ao próximo. Sua alma gêmea certamente pediria a Jesus que lhe perdoasse o erro que já percebia ter cometido.
Passada a santa semana dessa senhora aflita e, chegada a quarta-feira seguinte, lá estava ela diante do seu salvador iluminado por Deus, o padre Luis. Homem marcado por Deus para fazê-la entender que precisava admitir sua culpa. Ao vê-la abatida, pediu que sentasse e lhe contasse seus pecados, lembrando-a que os que se dizem sem pecados cometem outro maior: a hipocrisia.
Ana Lúcia pareceu não ouvir suas palavras, absorta que estava em pensamentos. Respirou fundo, ergueu a cabeça e disse: "Padre, eu pequei!". E continuou apressada, quase com medo de não conseguir dizer em voz alta o pecado terrível que vinha cometendo há anos: "Eu tenho andado, padre, na companhia de três mulheres, viúvas como eu. A solidão ocupou minha casa vazia e eu precisava tanto de amigas... Acontece, padre Luis, que eu, por ter sempre levado uma vida virtuosa, nada sabia dessas mulheres. No entanto, minha intuição não falhou e eu pude ver o que elas escondem. São dissimuladas, invejosas, falam de mim pelas minhas costas - embora não me contem por pena -, e eu desconfio ainda, padre, de que elas fornicam!".
O paciente padre quase acabou paciente de um médico cardiologista, tamanha foi sua incredulidade. Então, recuperando-se, voltou seu olhar que estava voltado para o alto em súplicas a Deus para a (que Deus lhe perdoasse!) irrecuperável mulher e lhe passou o mesmo sermão da semana anterior. Não podia absolvê-la, que ela se dirigisse diretamente a Deus e que Ele a iluminasse e a orientasse em relação às suas angústias. Ana Lúcia ficou lívida, mas calou-se.
Ao sair, sem vontade de voltar para sua casa, resolveu passar na casa de Marluci, pois sabia que ela, Agnes e Gláucia estariam passando a tarde juntas fazendo aquelas horríveis bolachinhas para o orfanato. Lá chegando, foi logo dizendo: "Amigas, tenho uma sorte imensa em tê-las na minha vida. Esse mundo está tão mudado que nem padres mais se fazem como antigamente..."
A paróquia perdeu três fiéis que só voltaram depois de o abaixo assinado que promoveram, tirar o padre Luis e em seu lugar colocar um padre mais velho e experiente, pois o que Ana Lúcia contou-lhes a respeito da falta de compaixão desse jovem padre as indignou...


 
miriangarcia
Enviado por miriangarcia em 20/10/2014
Reeditado em 20/10/2014
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