Céu

Quarta-Feira

Na mesma manhã do funeral de seu pai, Lívia prendia seus longos cabelos negros pela milésima vez, suspirava enquanto acalmava a família. Por não chorar, era olhada com repulsa pelos demais, enquanto passava de um lado para o outro, tentando manter a ordem em meio as lagrimas falsas, que a deixavam enjoada. Logo depois do enterro, respirou fundo ao meio fio, aliviada, pensava que finalmente estava "livre", acidentalmente, vez ou outra deixava um leve sorriso surgir, mas logo o fazia parar com as mãos. Em casa a bela morena se animou, jogou os sapatos de canto e chutou as caixas que transbordavam na sala, todas vazias; por enquanto, logo, metade iria para as grandes latas de lixo com pertences de seu, agora, falecido pai, quanto as menores; para seu novo lar; o orfanato, que para ela, era muito melhor que sua antiga casa de memorias sombrias. Lívia tinha ainda seus quinze anos, aparentava mulher de corpo e alma, era prendada.

Em seu primeiro dia no Céu (era assim que as crianças acolhidas o chamavam) ela ficou horas andando pelos corredores, seguindo uma senhora, que ela carinhosamente a apelidou mentalmente de "Cabelos de fogo", pois não havia se apresentado, somente a puxou para os corredores largos, enquanto ditava as regras e exigências, que Lívia não se importou em prestar atenção. No final do ultimo corredor, ela finalmente se virou e terminou dizendo:

- Por fim, me chame de Miss Moira, a diretora do Céu.

E a deixou sozinha com sua pesada mala, que carregou o tempo todo sem reclamar. A morena, como de costume, prendeu os cabelos e foi a procura de seu quarto. Pelo caminho não encontrou nenhuma criança, nem barulho, parou em uma janela para descansar e observou la fora; nada. Pensava enquanto juntava sua mala novamente " Será que errei o lugar?"

Finalmente em um dos quartos ela viu uma figura encolhida, de costas, pensou em pedir ajuda, mas foi interrompida sem ao menos dizer nada:

- Não diga a Miss Moira que me viu aqui.

Lívia soltou a mala e encostou a porta entrando e se abaixando para ficar a altura de seu companheiro:

- Onde estão todos?

- Estão na quadra, na ala oeste - ele se virou e estendeu-lhe a mão - Sou Bernardo.

- Lívia, prazer. Você poderia me dizer onde encontro os quartos?

Bernardo se levantou e saiu, ela foi atrás rindo de suas manobras para não ser notado, se esquivando pelas paredes, por fim, ele lhe apontou uma grande porta e saiu correndo de volta ao quarto escuro, Lívia ficou olhando até que ele sumisse no fim do corredor e sorriu, pegando novamente sua mala e seguindo para a grande porta. Assim que empurrou a porta se assustou, achou que todos estavam na quadra, como Bernardo havia dito, mas todas as meninas estavam próximas a suas camas, um silencio constrangedor rodava em sua volta, enquanto milhares de olhos a encarava. Não sabendo como reagir, abaixou a cabeça e andou até a ultima cama, a unica vazia, ao lado de uma janela imensa. Enquanto arrumava suas coisas num pequeno armário ao lado da cama, uma das garotas, especificamente a que residia a cama da frente, se aproximou e sentou ao pé da cama:

- Qual sua historia?

Lívia a olhou, mas a garota se mantinha fitando a parede em sua frente, vez ou outra, olhava para as mãos, não a olhava:

- Bem, meu pai morreu.

- As crianças que vem para o Céu normalmente passam por traumas, quase sempre físicos. Então, qual sua historia?

Lívia se manteve em silencio olhando para sua mala em cima da cama, quando olhou novamente para a menina, ela estava encarando-lhe, mas logo seu virou novamente, se levantando:

- Entendo. Temos que ir agora, venha comigo, eu te acompanho.

Lívia seguia a garota, que tentava se manter sempre a frente, os corredores pareciam não ter fim, igualmente ao silencio; era tão silencioso que ela podia ouvir o sangue correr em sua orelha, tão silencioso que a assustava:

- Onde vamos?

A garota loira que a guiava se virou rapidamente fazendo sinal para ficarem em silencio. Quando entraram na ultima sala do corredor, a menina cochichou:

- Não podemos conversar nos corredores, bom, em lugar nenhum alem dos dormitórios, Miss Moira não explicou?

Enquanto Lívia explorava a sala com cautela para não chamar atenção de quem já estava pintando em seus cavaletes, a garota a corrigia, empurrando-lhe para seus lugares:

- Bem, perdi as regras no segundo andar, me distrai um pouco.

- Se não obedecer as regras pode ser punida.

Lívia se virou surpresa enquanto se sentava:

- Mas, não me acolheram por eu ter sido "punida"? Porque seria punida aqui também? Aqui não é o Céu?

Sua colega se calou enquanto pegava seu pincel e o molhava de preto, olhou mais uma vez para Lívia e suspirou, assinou seu nome; Helena. Lívia olhou para a tela em branco:

- Não assinamos o nome no final?

Helena largou o pincel se virando para a porta, abandonando a novata sem saber o que fazer:

- Já terminei.

Quinta-Feira

(. . .)

Alessa Marques
Enviado por Alessa Marques em 19/10/2014
Reeditado em 19/10/2014
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