A mulher que economizava vida

A mulher, muito idosa, era sempre vista caminhando ,bem de vagar, na sua ronda pela pracinha da pequena cidade onde nascera.Ela evitava sempre de se cansar.Na sua vida ela sempre fora econômica no uso do seu tempo.Seu desejo , sempre, fora de poder viver muito, e com essa ideia fixa procurara resguardar suas forças e o seu coração.Não abusava nunca de coisa alguma.Brincadeiras, quando pequena, só com muita cautela, de roda então, com os seus cantos infantis , só bem de vagarinho, quase parando.Suas amiguinhas não tinham muita paciência com ela, mas o que fazer? Ela era assim.O que ela gostava mesmo era de brincar de bonecas.Ficava horas sentadinha na sua cadeirinha, com a sua bruxinha de pano no colo.Nunca ela possuiu uma boneca de louça, fora uma menina pobre, mas, conformada.Jamais fez planos mirabolantes, nem sonhou muito alto.Queria só, viver!As vezes, sentia uma dorzinha no peito, outras, nas costas, a respiração ficava meio que puxada, mas logo passava, e ela não queria mais pensar naquilo, achava melhor assim.

Já maior, quando era tempo de botar corpo, como se falava na época,ela ainda parecia uma menina, era mesmo meio fraquinha.Por essa época, ela não brincava mais de bonecas, mas, sentada na sua cadeira, perto das janela, ela bordava.Linhas coloridas , guardadas em uma caixa de sapatos, com muita ordem, e quando enfiadas nas agulhas, os riscos caprichados iam enfeitando de cores os tecidos.Amigas, dos tempos de meninas, já com interesses próprios das idades iam solicitar encomendas de bordados em lindas camisolas, toalhas de mesa, lenções de linho, para os sonhados enxovais.

As costas e o peito da bordadeira, ainda doiam, mas ela, tranquila, continuava a bordar, e isso, a deixava feliz.Sempre ali, sentada perto da janela, onde a luz era melhor, ia formando as coloridas guirlandas, transformando tecidos, em obras de arte.Quando lá fora, o tempo mudava e chovia, ela gostava de ficar olhando a chuva cair, batendo forte nas folhas do jardim, na terra, e adorava sentir o cheiro que a chuva trazia, terra molhada.Quando ventava, era melhor ainda, parecia que o vento trazia notícias de terras distantes, lugares que ela nunca veria.Os trovões e relâmpagos eram como sinos, badalando nos céus.

Passado poucos anos, as encomendas de bordados se transformaram, eram de camisinhas de pagão, cueiros e mantas.Não bordava muitas flores, ficou exímia em bordar barquinhos, patinhos e pipas.Tudo feito com o maior capricho.Um dia, nem se lembrava mais quando acontecera, a sua cadeira predileta teve que ser trocada por uma nova, a ação do tempo se fazia presente.Houve também novas despesas, alguns novos medicamentos, coisas da idade, e as dorezinhas de sempre continuavam indo e vindo.

Chegou um tempo que não haviam mais encomendas, nem de flores, nem de patinhos, e as linhas coloridas ficaram esquecidas no fundo da velha caixa de sapatos.Só olhar o sol e a chuva pela janela era pouco e assim ela começou o passeio diário pela pracinha, que, continuava quase que a mesma do tempo das brincadeiras de roda.Só as arvores que ficaram altas e os bancos renovados.Ela ficava aborrecida só de não encontrar mais suas velhas amigas, as freguesas dos bordados.Parecia que todas haviam partido para algum lugar remoto,talvez, por que não haviam sido, como ela, econômicas de vida.

Foi aí que ela começou a pensar como a sua vida se tornara vasia, poupara tanto as suas forças, mas não estava sendo poupada de tristeza e solidão.Alem do tempo, o que ela ganhara?Sera que tinha valido a pena tanto resguardo?Ela não conhecera a alegria de ser amada, não conhecera tão pouco nenhum outro lugar alem daquele que via da janela e da sua pracinha, não tinha nenhuma história para contar, a não ser a dos bordados , e da cadeira velha que fora trocada, ninguem queria ouvir sobre suas dores.Nem criar sonhos soubera.Reconheceu, finalmente que, para ganhar tempo de vida, ela deixara de viver...

lucia verdussen
Enviado por lucia verdussen em 07/10/2014
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