DIÁLOGO NO ÔNIBUS (sobre política)

DIÁLOGO NO ÔNIBUS (sobre política)

- Eu sabia que ele ia ganhar!

Quem fazia esta afirmação era um senhorzinho aparentando mais de setenta anos, não mais do que um metro e meio; roliço, não gordo nem magro, de óculos sustentados por aquele famoso cordão de segurança passado atrás da nuca, característico dos idosos; relógio de pulseira brilhante (brilho de ouro), logicamente falso; camisa social na cor azul claro; calça jeans, também azul, só que mais escuro (talvez nova); meias soquetes pretas e tênis que já fora branco, agora encardido devido as constantes lavadas incompletas.

- Pois eu votei num candidato que não foi eleito. Por isso acho que perdi meu voto.

Quem assim se expressou foi uma senhora madura, para não dizer balzaquiana. Aparentando ter mais de trinta e menos de cinquenta anos; se muito os quatro dedos mais alto do que ele; cabelos pretos embaçados (pintados recentemente); diadema (para alguns é tiara) de pérolas falsas; também de óculos, só que sem o tradicional cordão de segurança; brincos de argolas; batom roxo quase azul ou azul quase roxo; colar também de pérolas falsas; relógio do Paraguai, no formato de um coração, na cor rosa; unhas esmaltadas, na cor vermelha, aqui e ali cobertas por desenhos indefinidos; vestida com um conjunto de blusa e saia, ambas marrom escuro, quase preto e sandálias enfeitadas com as imprescindíveis pérolas falsas.

O casal entrou no ônibus depois de mim. Sentou nos bancos lado a lado comigo, do outro lado do corredor. Ficando o senhorzinho mais próximo de mim. E eis que recebo o assédio deste:

- O Aécio vai ganhar da Dilma. O senhor não acha?

Vi-me encostado na parede, pois política, futebol e religião não discuto. Mas pela simplicidade do meu interlocutor resolvi por fim no diálogo antes que se prolongasse muito:

- Sou eleitor da Marina.

Cometi um erro estratégico, pois com esta colocação dei vaza a que ele puxasse mais pelo assunto:

- Quem votou na Marina tem por obrigação de votar contra a Dilma.

Cometi meu segundo erro ao questioná-lo:

- Por que obrigação?

Ele não se fez de rogado:

- Por que a Marina brigou com o PT.

Resolvi cometer meu terceiro erro:

- Isso foi lá entre ela e os dirigentes do Partido dos Trabalhadores, nós os eleitores (aqui não quis dizer conscientes, para não ofendê-lo) temos que tentar votar para o melhor do país e não conforme rixas entre partidos.

Meu adversário neste imbróglio entendeu tudo ao pé da letra, sorriu amarelo e usando da sua simpatia e humildade deu continuidade na nossa prosa, ainda que dentro da política, só que agora no âmbito estadual:

- Tenho certeza que o Íris (candidato do PMDB) vai ganhar disparado do Marconi (candidato do PSDB). O senhor não acha?

De erro em erro, da minha parte, nosso diálogo foi se prolongando para meu desagrado. Mas o “cientista político” ia me dando corda e eu engolindo-a:

- Não tenho conhecimento suficiente da tendência dos eleitores no segundo turno pra afirmar que este ou aquele vencerá a eleição.

Ele voltou ainda mais resoluto:

- Pois afirmo e assino embaixo: o Íris vai dar de lavada no Marconi!

Resolvi por fim naquela querela:

- Não voto em nenhum dos dois!

Foi meu pior erro. Ele veio com tudo:

- Mas o senhor, agora a pouco, disse que é um eleitor consciente. Que consciência é esta que não vota para eleger o governador do seu estado?

Ainda bem que com esta ele cortou meu barato. Assim pus fim ao não responder mais nada.

E ele também percebeu que havia sido indelicado:

- Peço desculpas.

Aleixenko
Enviado por Aleixenko em 07/10/2014
Código do texto: T4990016
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