Barbeiragem?
Zito era barbeiro. Mais pela barbeiragem. Mas ia vivendo um dia após outro. Sem acesso às cabeças coroadas da Velha Serrana, disputava com outros fígaros de arrabalde a sacra tosa das demais ovelhas do rebanho, também filhas, e fios, de Deus.
E eram ainda os bons tempos antes que a praga do ie-ie-iê invadisse a
praça. Portanto, tesouradas e navalhadas continuavam a ser demandadas. Contudo, o sustento da família, prole numerosa como soía, advinha com mais certeza e segurança do trabalho da mulher, Dona Anjinha, corpulenta, morigerada, operária na fábrica de tecidos. Seu salário, conquanto mínimo, trazia a vantagem de não oscilar, como os ganhos parcos do marido. E a mente, muito menos na entrega aos devaneios. Não tinha que sonhar com seios...
E a meninada ia crescendo, indo à escola, dando a mão relutante nas obrigações domésticas, namorando e até buscando uma colocação que lhes viesse aliviar as despesas da casa, que também se avolumavam.
O Zito, entretanto, queria sair da rotina, um ânimo interior o impulsionava a aventuras que compensassem as durezas da vida. E depois duma cervejinha de fim de tarde então, tornava-se mais premente aquele desejo latente - que anos mais tarde um tal de Freddy Mercury andaria interpretando "I want to break free...". And free
he broke, num fim de tarde em que a barbearia andava às moscas.
Na sua escapulida, Zito fora à zona do meretrício, que ficava numa das saídas da cidade. Queria variar. E variado já estava, após uma sucessão de golos. Caíra a noite, e ele se divertindo, ainda que cambaleante.
E qual não foi sua surpresa quando alguém lhe soprou, em meio à farra, que dona Anjinha estava à sua procura. Nem pensou, nem pestanejou, apenas a janela de fundos mais próxima saltou.
E qual não foi o castigo, ao se projetar sobre a vegetação hostil que se encontrava ao sopé da janela: era puro mandacaru. Sua recuperação física foi lenta. Entretempo, a freguesia se dispersou. E dona Anjinha, o coração lhe fechou. Além das pernas, antes tão ternas.