447-PROIBIÇÃO ECLESIÁSTICA- Regulamentos d Padre Krammer

ENTÃO, tinha o Padre Kramer. Há mais de meio século, durante as décadas de 1930 e 1940, foi a pessoa mais importante de São Roque da Serra, superando em admiração e conceito até mesmo o vetusto Juiz de Direito e outras autoridades municipais. Chegou da Alemanha, já ordenado e assumiu a paróquia como a primeira missão clerical ainda jovem. Teria talvez vinte oito, vinte nove anos — trinta, no máximo.

Como organizador dinâmico, próprio dos germânicos, foi colocando ordem na paróquia. Reorganizou as congregações religiosas, criou serviços e entidades para fazer caridade. As festas tradicionais ficaram mais bonitas, as procissões eram acontecimentos que ninguém deixava de acompanhar.

Passou para a área da educação, criou o Ginásio de São Roque, do qual tornou-se diretor vitalício. Com o passar do tempo, devido à falta de autocrítica, foi se tornando um verdadeiro manda-chuva na cidade, um pequeno ditador. E tornou-se uma figura folclórica, principalmente pelo seu linguajar arrastado. Aprendeu a língua dos paroquianos pela prática e jamais se dera ao trabalho de aprimorar a pronúncia.

A IGREJA matriz de São Roque era freqüentada pelos paroquianos da cidade, das fazendas e das roças do interior. A missa das nove da manhã, aos domingos, era a preferida pelos moradores do interior do município. As mulheres e crianças vinham em charretes e os homens, na maioria, chegavam montados em cavalos e mulas ornadas com vistosas arreatas.

Na estação das chuvas, o barro vermelho passava dos pés descalços, das botinas e botas, para a nave, os bancos e as alas laterais e por todos os lugares onde transitavam os fiéis. Apesar do desgosto de Padre Kramer, ao ver o piso avermelhado após a última missa do domingo, não tinha como coibir, O jeito era lavar a igreja todas as tardes de domingo, após o almoço, tarefa a cargo do sacristão Zé Novelinho e meia dúzia de beatas.

Incomodava também, durante a celebração da missa, o barulho das esporas, tilintando a qualquer movimento dos cavaleiros: ao se levantarem, ajoelharem ou caminharem para a mesa da comunhão.

Trinc trinc trinc trinc – o barulho de centenas esporas perturbava o padre na celebração do santo sacrifício. Após muito tempo agüentando tal barulheira, Padre Kramer chegou à única solução: a proibição do uso das esporas dentro da igreja.

E foi assim que, em memorável sermão sobre a santidade da Casa de Deus, determinou, no seu modo arrevesado de falar a nossa lingua:

— De agorra em diante, fica prrroibido o uso de esporrras dentrrro do Igreja. Os

homens devem tirrar os esporras antes de entrarrrr. Isto porrrque os homens tão esporrando nas pernas das mulherres e fazendo muito barrulho. Tem mulherrrr que rrreclama das esporradas do marrido, que lhe fizeram as pernas sangrarr de tanta esporrada dentrro do igrreja.

ANTONIO GOBBO –

Conto 447 da Série Milistórias –

BH, 15/agosto/2007

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 02/10/2014
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