446-FRALDAS COM FIOS DE OURO

— Acontece cada uma! Imaginem vocês que ontem à noite atendi ao telefone, era uma voz feminina pedindo donativo. — O circunspeto farmacêutico mostra indignação na voz, principiando a narrativa de mais fato de sua vida diária, aos amigos que se reúnem todas as manhãs no estabelecimento para o animado bate-papo. — Donativo por telefone... é o fim da picada!

— Ora, isto acontece todos os dias. Eu já estou habituado com essa amolação. — Diz Juca Penga, aposentado bem humorado, o que é uma raridade. — Só que eu não dou donativo para este tipo de pedido,de jeito nenhum.

— É um modo brático de bedir.— Aduz seu Amin Aarak, dono da lojinha de uma porta, ao lado da farmácia, — Mas, por Alah, tem muito trambique nesses bedidos.

— Dizem que quem dá aos pobres empresta a Deus. — Prossegue Juca Penga.

— Isto é coisa de judeu — Intervem Amin Aarak. — Embrestar aquí, agora, pra receber quando? Como? Na eternidade, bode ser. Enquanto isso, tem os juros, as brestações...

— Pois é. — Retoma o assunto seu Elmano, o dono da farmácia. — Acontece que o pedido da moça, por certo era uma moça, com uma voz sedutora e gentil, foi feito com a pessoa errada.

— Errada? Como, errada? — indaga o turco.

Em falsete, o farmacêutico imita a voz da jovem e narra o diálogo ao telefone:

“Estamos pedindo ajuda para comprar fraldas geriátricas. Para os velhinhos da “Casa do Idoso". Um donativo de mil reais, de uma só vez, um pacote de fraldas...

— Interrompi a moça: Mil reais por um pacote de fraldas? Essas fraldas são, por acaso, de algodão egípcio?

— Ela parece que não entendeu a piada. Responde: “São fraldas geriátricas, fraldões para pessoas idosas que têm...”

— Que têm incontinência urinária. Sei muito bem do que se trata. Mas pelo preço, parece que têm fios de ouro.”

— E a moça: “Não senhor! Esta é uma campanha da...”

— Já sei, já sei. Só por uma vez, etcetera e tal. Olha, minha filha, por esse preço, eu lhe vendo todo o estoque de fraldas geriátricas que tenho aqui na minha farmácia.

— ”Senhor, nós não compramos as fraldas. Só repassamos o dinheiro para a Casa do Idoso, eles é que compram.

— Então a senhora é uma intermediária no “negócio”? Leva algum ganho nisso?

A moça responde: “Senhor, fazemos isso por amor aos necessitados. Somos da VBL.

— Quando ela falou as três letrinhas, lembrei-me de certo comentário ouvido não sei bem onde. Os “coletores” de donativos ficam com vinte por cento do valor dos donativos que conseguem “arrecadar”. Então, encerei o assunto:

— Olha, dona, tenho na minha farmácia fraldas geriátricas por um quinto do preço que a senhora falou. Se quiser, é só passar aqui na Farmácia Moderna. E desliguei o telefone.

— Faz muito bem — concluiu o turco Arak. — Isto deve ser negócia com muita comesson no meio.

ANTÔNIO GOBBO Belo Horizonte, 09 de agosto de 2007

Conto # 446 da Série Milistórias

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 02/10/2014
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