Hora do cacarejo

Os bichos já não falavam, mas tinham nomes - e ouvidos. Pelo menos no que tocava às nossas galinhas. Assim, no nosso terreiro, e em seu poleiro, havia e houve tantas, como a "de saia", a "carijó", a "pedrês", a

"pescospelado", a "tupituda", a "índia", a "rabo-torto", a "urubatão" - essa última, pretinha que brilhava, com esse nomesquisito homenageava tanto os urubus que apenas lá do alto nos observavam - e não se domesticavam - e um jogador de futebol de idêntica nomeada, que defendia valorosamente a ingloriosa Portuguesa Santista dos anos sessenta.

O galo, por ser único, doutro nome não precisava e, enquanto no terreiro reinava, donjuanescamente de crista alta sempre estava. E como galinhava. Ou pintava. Já os pintainhos, franguinhas e franguinhos, tantos eram, e tanto erravam, que dificilmente nomes se lhes colavam. Mas piavam.

Nossos galináceos nada tinham daqueles modelos "Plymouth, Langhorn ou Rhode Island", que ornavam as páginas centrais da revista "Chácaras e Quintais", capazes de posturas colossais e de alcançarem pesos abismais. Mas ciscavam, a cerca pulavam e, de preferência, no mato é que botavam.

Geralmente era o olho de mamãe que pressentia alguma galinha que escapulia, só pra fazer a sua estripulia sobre o ovo que, escondida, botaria, em lote vago - e abatumado - da cercania. E lá atrás a gente ia,

seguia, seguia - e logo a perdia, ardilosa que era então a galinha de plantão. As tentativas de caça ou de campana se multiplicavam, sob o sol inclemente, ou a chuvinha renitente.

Havia que ser paciente no percolar das tortuosas sendas forradas de espinho branco, unha-de-gato e o eventual algodãozinho-doce,

tudo ali no mato...e tudo ali, mais para boato que fato...

E enfim, depois de falhar até a inovadora experiência de amarrar uma liga vermelha ao pé da fujona da hora para facilitar a busca - e vê-la engarranchada na primeira curva do caminho - eis que a perseverança

acabava recompensada, quando se deparava com a bela ninhada. Hora de tudo recolher, cacarejar a valer, antes que um gambá, ou sei lá, nos poupasse daquele prazer.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 29/09/2014
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