431-AS PRIMAS DA RAINHA-Brincadeira elegante de Tio Armando
Armando era um gentleman. No porte e na maneira de ser. Magro e alto, cabelos louros, face corada e sorriso enigmático nos lábios, caminhava com elegância, o que contribuía mais ainda para destacar seu porte altaneiro.
Quando conversava, mostrava uma certa flegma. Mantinha as mãos juntas, à altura da cintura, sem cruzar os braços nem os dedos. Entretanto, era simples, extremamente sociável e, na intimidade, brincalhão e bem humorado.
Por conta de seu bom-humor, vivia criando brincadeiras com as irmãs Maria e Carolina, com as quais vivia. A mesmice da vida de ambas era quebrada sempre com presentinhos que Armando mandava entregar para Carolina, solteira na casa dos cinqüenta anos, acompanhados de cartões como se fossem de pretendentes a um namoro. Para Maria, casada, inventava outras brincadeiras, todas de muito humor e respeito, que sempre acabavam animando as tardes e as noites da família.
— Vocês sabem que a nossa prima vai ser coroada na semana que vem? — Em um dos últimos dias de maio de 1953, ele apareceu com esta pergunta que era, ao mesmo tempo, notícia da coroação da princesa Elizabete da Inglaterra.
— Prima? Que prima? Coroada? Cê tá maluco, Armandinho? — Carolina era a primeira a reagir ante as mais estapafúrdias brincadeiras do irmão.
— A princesa Elizabete. A prima vai ser coroada Rainha da Inglaterra.
— Onde é que você arranjou esta de nossa prima? — Maria questionou, já prevendo mais um gracejo de Armando.
— Pois vocês não sabem? A rainha Vitória da Inglaterra era prima em primeiro grau de nosso bisavô, que pertencia à família do rei Vitório Emanuel, da Itália. — Prosseguiu, seriamente, inventando na hora uma história que viesse a calhar com sua brincadeira.
— Ara, Armandinho, deixa disso!
— Pois vocês não acreditam, não é?
— Você é mesmo um bobalhão. Inventando essas besteiras. — Disse Carolina. — Para com isso! Imagina se a vizinhança fica sabendo...
— Que a Rainha é nossa prima? Pois deixa saber!
— ...fica sabendo que você inventa essas histórias.
O assunto parecia ter morrido por ali. Mas, não. No dia seguinte, Armando insiste:
— Meninas, a coroação da nossa prima vai ser na terça feira que vem. No dia dois.
— Armando, Armando! Cê está acreditando mesmo que ela é nossa parenta? — Maria já estava, inconscientemente, aceitando a idéia.
— Claro que é prima. Em primeiro grau. E a coroação vai ser transmitida pelo rádio. Fiquem atentas para não perderem nada da cerimônia.
Ele sabia tramar, com elegância, suas brincadeiras. Tanto insistiu que as irmãs, no dia da coroação, ligaram o rádio bem cedo, para ouvirem as notícias. Ficaram de ouvidos colados ao aparelho, imaginando a pompa e a circunstância que devia estar se desenrolando na capital londrina. Ficaram emocionadas, como, aliás, muitas das vizinhas que apareceram em sua casa, a fim de ouvir as notícias. O boato de que elas eram primas da rainha foi propalado de modo simpático, e as duas, se não aceitaram a história como verdadeira, recebiam a admiração e os comentários das amigas.
Mas a brincadeira de Armando não terminou com a coroação. Alguns dias depois, um rapaz bateu à porta da casa onde as duas irmãs já quase tinham esquecido de tudo.
— Trago uma entrega especial para as primas da rainha da Inglaterra. — E sem esperar resposta, colocou nas mãos de Carolina um embrulho de dimensões estranhas.
Era um canudo de papelão grosso, que Carolina teve dificuldade em abrir.
— Veja, Maria, que coisa engraçada. Um moço me entregou essa coisa, dizendo que é para as primas da rainha.
— Vai ver que é outra arrumação do Armandinho. Ele é quem está com esta história...
Destamparam o canudo. Dentro havia um outro, embrulhado em fino papel de seda, amarrado com fitilho cor-de-rosa. As duas desamarraram, desembrulharam e desenrolaram o conteúdo.
Era uma estampa da recém-coroada rainha da Inglaterra. O primeiro retrato oficial da rainha, cuja reprodução corria o mundo com celeridade.
A estampa media aproximadamente uns cinqüenta centímetros de altura por trinta de largura. Em baixo, uma dedicatória em letra feminina, e em bom português:
“Às minhas queridas primas Maria e Carolina, com abraços carinhosos, ofereço esta fotografia como prova de nossa familiaridade. Beijos da prima Rainha Elisabeth II”.
As duas irmãs ficaram pasmas.
— Não, isso não é brincadeira do Armandinho, não!
— Puxa vida! Será que somos mesmo primas da rainha?
— Se foi coisa do Armando, vou descobrir. — Carolina sempre desconfiando do irmão.
O que ambas jamais descobriram foi que o irmão havia conseguido uma bela estampa da nova rainha, vendida em São Paulo e que jamais chegara ao interior. Uma professora amiga que compactuava com suas brincadeiras sem maldade, escreveu a dedicatória. O rapaz que fizera a entrega foi instruído para dizer aquelas palavras, exatamente como disse, e sair sem mais explicações.
A estampa viera enrolada. Pedro, marido de Maria, exímio marceneiro, fez da estampa um quadro, com vidro e bela moldura, que foi dependurado na sala de visitas.
Na pequena cidade, nunca ninguém teve certeza nem dúvida do parentesco de Carolina e Maria (Armando havia, elegantemente, se excluído da familiaridade real) com a Rainha da Inglaterra.
Apenas Aristeu, outro irmão das “primas da Rainha”, cético sobre tudo o que não entendia (por exemplo: jamais acreditou que o homem chegou à Lua), lançou uma dúvida:
— Se fosse de verdade, a dedicatória tinha de ser em inglês, não é mesmo?
Isso, porém, em nada diminuiu a graça e a delicadeza da brincadeira de Armando, que transformara as duas simples mulheres em pessoas importantes, personagens vivas de uma lenda real : as primas brasileiras da Rainha da Inglaterra.
Antonio Gobbo
Belo Horizonte, 12.05.2007
Conto d# 431 da Série Milistórias