O surpreendente acalma

Estranho não poder compartilhar o que você está sentindo da forma mais real possível, fazer com que alguém sinta o que você mesmo só sentirá uma vez na vida. Bom, há situações que nos inspiram e este texto é apenas para isto: inspirar.

A vida é uma longa espera de anseios. Alguns são tão idiotas que só mesmo o pensamento poderia dar conta. Outros, um pouco mais reais, costumam depender de terceiros, o que os torna igualmente difíceis. A última categoria de anseios é a que depende de nós mesmos e ela costuma juntar as outras duas.

Eis que um dia Madalena estava se arrumando. No fundo era desiludida com tudo mas não sabia o porquê mantinha na expressão facial um ar de que mais pra frente as coisas iriam se resolver. Assim, como costumamos chamar de destino. E por falar nele, Madalena, que não acreditava em horóscopo, resolveu ler a parte do jornal que continha as informações que todo ser humano quer ouvir, como ela mesma costuma definir. Achou engraçado porque o seu signo falava justamente de amor, algo tão brega e distante para Madalena, que só acreditava em amor ao próximo sem fins lucrativos. “Semana favorável ao encontro de amores antigos e às brincadeiras”.

Quase sem querer Madalena lembrou de dois possíveis amores antigos. Um deles era Jorge, aquele do ano passado e que nunca mais dera notícia, depois de prometer mundos e fundos. O outro era Ricardo, um cafajestezinho que quase arrancou seus lábios. É, ela preferiu o primeiro. Havia tanto tempo que, quem sabe ele não haveria mudado de idéia? Madalena lembrou-se das brincadeiras. Como poderia brincar? Sentiu-se ridícula por aceitar os conselhos do horóscopo. Riu dela mesma ao mandar uma mensagem eletrônica para Jorge que dizia: “Joana, me liga quando for sair. Bj.” Só pra ele mandar uma de volta falando do engano e terminando assim: “pena que não foi pra mim...” Pobre Madalena, sem resposta nenhuma.

Mas ela já sabia. E nem doeu, só lamentou ter sofrido tanto no passado por um cara daqueles. Então eis que surgiu o Ricardo na história. E sua presença física depois de alguns meses fez com que Madalena quase puxasse conversa com ele, que estava sentado no mesmo bar que ela. Só podia ser ele o cara do horóscopo. Ó não, ele fez que não viu ou não tinha visto mesmo. O mais estranho é que Madalena também não sentiu dor. Apenas um leve arrependimento de ter cedido os lábios ao masoquista do Ricardo. Bebeu o resto de cerveja e beijou um cara, mais novo que ela, sem nenhuma experiência com mulheres e por isso mesmo foi bom. Voltou pra casa e não pensou mais em destino, apenas dormiu.

Chegou o domingo. Um passeio na praça para ver as pombas estúpidas comerem pipoca do chão até sufocarem. No caminho, viu vários ex-qualquer-coisas. Algo estava para acontecer sim, foi uma semana atípica. Não sabia o que era mas seu coração nem tinha pressa em saber. Foi ouvir música num café do centro da cidade, e quem tocava bandolim tocou o seu coração fazia alguns anos, no tempo da faculdade lá aonde ela sempre queria estar quando batia a saudade. Alegria foi em revê-lo e só alegria passageira. Conversaram e beberam juntos. Um papo bobo mas nem tanto e um olhar de cumplicidade.

O pensamento de Madalena nunca poderia ter criado uma situação daquela. Um encontro do acaso ou proporcionado pelo fato dela ter nascido sob o signo de touro. Voltou pra casa com a sensação de que nunca mais iria vê-lo. Tudo o que cada um tinha vivido com relação ao outro durou uns três minutos em beijos mais calmos e maduros. E em brincadeiras também, daquilo que costumavam rir e que só agora tinha graça. Sabia sim que nunca o veria novamente. E otimista como aparentava ser, não esboçou tristeza, apenas espanto. Como a vida podia armar aquilo? Acreditou em amor, não em horóscopo. De algum tipo. Ela sabia que também foi uma coisa que o momento criou. Algo de situação mas o certo é que revirou todos os tipos de sentimento. Hoje ela está perdida e feliz.

Perdida por saber que nada tem lógica e feliz porque nada é mais surpreendente que a vida.

E ficar assim não estava nos seus planos.