Noite Bárbara
Era noitinha quando, sob o bruxuleio da iluminação pública, aquela aglomeração que se formava à porta da fábrica virou procissão e saímos todos acompanhando a Bárbara que, aposentada, fazia o seu primeiro trajeto para casa, como ex-operária.
O ano era 1960, ou 61, e o cortejo não precisava percorrer mais que duas quadras para conduzir a aposentanda à sua casinha que, rua acima, ficava na primeira dobrada à esquerda, oposto o Posto do Lídio.
Mas como uma simples aposentadoria de uma simples tecelã poderia ganhar aqueles ares de evento - insisto, e bote vento nisto. E até o gerente da fabrica estava lá felicitando a felizarda e pelo menos solfejando aquele refrão, aparentemente espontâneo que muita gente deu vazão, sem senões e de plenos pulmões - recheados de algodões: "...A Barba trabaiô muito, agora vai discansá...".
E a gentil `Barba`, que vi não mais do que num relance - pois não ousara encará-la - podia ser decana do operariado, mas, chupadinha e encanecida, parecia trair os sessenta e poucos anos que lhes davam, ou os dentes que lhe faltavam. Seu rosto vincado daquele jeito, na certa era pouco afeito aos rodeios e paparicos que agora recebia em profusão. Não me lembra se ela retribuiu com café e biscoitos o mimo que recebia, pois era gente muita, e só da janela é que pude dar uma rápida espiada naquele alvoroço de gente - e até de gerente. E ela, mesmo morando com umas irmãs, era uma só, iria desatar aquele nó?
A homenageada ia poder acordar mais tarde no dia e nos anos seguintes, sem ligar pro grito e rito da chaminé, mas será que acharia graça na vida depois daquele súbito e coletivo cafuné?