A Hora Chega!
O despertador toca. Já são sete da manhã. Bia abre os olhos com desaprovação, vira para o lado espreguiçando o corpo de 1,70 de altura e desliga o inconveniente aparelhinho barulhento. Esfrega os olhos castanhos escondidos entre as profundas olheiras, solta os cabelos longos e lisos, cor de mel e vira para o outro lado da cama. Desiste por cinco segundos de levantar, mas lembra que precisa trabalhar.
"Ainda está escuro", ela pensa. Sempre está escuro para ela, em qualquer hora do dia. "Será que hoje chegaria a hora"? Já começa o dia sofrendo de ansiedade. Ela teme a quase tudo: não gosta de sair da cama, teme levar choque na hora do banho, se cortar na hora das refeições, ser atropelada ou levar um tiro na rua.
Bia mora sozinha em um apartamento bem pequeno e todo verde por dentro, pois assim, acredita evitar o acúmulo de bactérias. Deixou os pais em outra cidade, bem lá no interior do Nordeste e foi para cidade grande trabalhar, podendo contribuir com melhorias para eles também. Lá, onde seus pais estavam, era muito perigoso. A seca era ameaçadora. “E o que não era ameaçador nesse mundo”?
Seu trabalho é atender clientes em uma loja de ferragens. Bia fica no balcão junto com Dany, sua colega de trabalho e são o oposto uma da outra. Dany tem cabelos vermelhos e curtos, no comprimento das orelhas, é baixinha e gosta de aventuras. Já havia saltado de paraquedas, corrida de motocross e qualquer esporte que lhe parece divertido e desafiador, ela experimenta. É muito extrovertida e adora ir à festas.
Bia não. Nunca sai nos finais de semana, prefere assistir filmes tipo “Premonição”, largada no chão da sala, porque poderia cair do sofá e sofrer alguma fratura.
Apesar de vidas absurdamente distintas, as duas são muito amigas. Dany dá carona para Bia todos os dias, de carro, é lógico. De moto ela não anda nem na garupa. Conversam sobre a vida pessoal, trabalho, os amores de Dany e os medos de Bia, que sofre de tanatofobia, a fobia do medo da morte.
Esse transtorno emocional é motivo de gargalhadas para as duas, visto que trabalhando em uma loja de ferragens, estão expostas aos mais variados instrumentos de corte.
No último sábado, Bia ficou presa no elevador da loja por duas horas. Sentiu calafrios e tremores em todo o corpo, sem dizer que seu coração parecia que iria explodir de tão acelerado. Quando, finalmente, um colega de serviço abriu a porta, ela viu que todos os funcionários estavam assustados. Dany, pálida como defunto, lhe disse: “você tem muita sorte, escapou do assalto! Nosso gerente foi atingido com um tiro e os ladrões fugiram”! As duas se abraçaram e foram para casa.
Bia agora consegue controlar seu medo. Sabe que “ninguém vai antes da hora” e, certamente ela iria viver muitos anos, depois de ter escapado do assalto. Dormiu tranquila, sem repelente para picadas de insetos e nem protetores de espumas em volta da cama.
No domingo, logo cedo, Bia saiu para correr na praça, o que nunca fazia. Comprou um suco de laranja na barraca do Sr. Macaías e dane-se as bactérias. Comeu pastel, olhando para o céu, agradecendo pelo lindo dia. Decidiu aproveitar mais os momentos do dia e permitir-se em aventuras, da mesma forma que sua amiga Dany. No próximo sábado sairia, ah se sairia.
Na segunda, em frente ao apartamento de Bia, Dany buzina para a amiga descer, como sempre faz. Radiante, Bia entra no carro e convida Dany para sair no próximo sábado. Dany curtia ao máximo a mudança e empolgação de Bia e riam muito pelos planos loucos que estavam fazendo.
Entre uma gargalhada de Bia e um piscar de olhos de Dany, surge um motorista, com um caminhão bitrem e, distraído, atravessa na frente delas. Sem chance de desviar ou frear o carro, elas descobrem que, com aventuras ou com fobias, a hora chega.