Datemi un martello
Podia faltar um parafuso à cabeça do tio Antoine, mas pregos ali abundavam, tal era o seu lidar diuturno com o martelinho de sapateiro. Ele tinha também o de pedreiro e pode ser até que o de marceneiro, mas o seu preferido, pra todo aquele alarido era o de sapateiro, da cabeça achatada e do bico de pato.
Da chusma de ofícios e profissões que tentou na vida - que foi longa de nove décadas - a de sapateiro parece que foi a que mais lhe caiu no goto. Não que tenha sido bem sucedido num ofício até correlato ao de seu pai Velusiano, seleiro curvelano. Mas não foi por pouco querer pois o difícil era já adulto e calejado, outra cousa aprender senão briquitar com os teares da Companhia - que em nada ao espírito desassossegado de Antoine apetecia.
E assim, juntadas todas as suas ferramentas numa lata, o martelinho de sapateiro continuou sendo a predileta. Já no outono da existência, perdida a mãe e com as irmãs mais tolerantes ou mais além, pródigo, o Antoine voltou à domesticidade, ficando mais tempo em casa.
E sua atividade quase sem descanso, foi martelar. Tinha aquela paixão indômita por coisas exdrúxulas, de transformar uma bicicleta em carrinho de mão, ou fazer remendos - a prego - num velho par de havaianas. Martelou, martelou, anos a fio e a pavio. Sempre sentado no tamburete de madeira, encumbucado, manhã ou tarde inteira - a martelar. Até que batesse, afinal,o martelo das horas.