ALMOÇO DE DOMINGO

ALMOÇO DE DOMINGO

Era quase meio dia. Os três relógios internos dos filhos de Maria começaram a tocar em uníssono os alarmes, bem conhecidos por ela.

“Mãeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee estamos com fome!” E os alarmes continuaram nos ouvidos de Maria.

Muitas vezes, ela resmungava sozinha, indo contra a opinião dos muitos que a consideravam uma mulher sortuda, ao ter trazido ao mundo os trigêmeos, Nilton, Nilson e Nildon. Eram adoráveis, muito espertinhos, brincalhões e especialistas em armar confusões por aonde iam.

Maria estava sempre pronta para dar aquele sorrisinho indecifrável quando surgiam as reclamações sobre as aventuras dos trigêmeos de quatro anos.

Neste domingo tudo ia ser diferente. Ela iria almoçar fora com os meninos, e o pai deles.

Escolheram um restaurante perto de casa. Poderiam ir a pé. Alguém tinha recomendado o local. Maria estava tão empolgada com o fato de não ir para a cozinha naquele dia, que previa algumas horas de paz, para a sua vida de tripla jornada de trabalho: maternal, profissional, e espiritual.

No caminho conseguiu conversar com o ex com certa facilidade. Afinal já estavam separados há um ano.

Mesa escolhida, família sentada, Maria pensou que o garçom viria trazer o cardápio. E aguardou quinze minutos. Um couvert foi servido, ou melhor, jogado em cima da mesa. Eram duas pastas, com aspecto diverso ao esperado, pareciam estar queimadas pelo frio do refrigerador, ou estavam mesmo passadas. As torradas estavam murchas e não veio mais nada.

Os alarmes tocaram todos ao mesmo tempo. Maria olhou em desespero para todos os lados procurando por uma salvação. Não encontrou. Nem dava mais tempo. Os três já estavam pulando, correndo, rolando no chão, e se misturando com as outras pessoas no restaurante.

Em uma mesa central rolava majestoso banquete com direito a discurso e muitos brindes dos participantes. Era uma festa de aniversário, que parecia uma comemoração além da imaginação. Uma das senhoras subiu em cima da mesa e parecia estar um pouco alegrinha.

Uma verdadeira confusão acontecia naquele lugar. E as crianças? Maria pegou a bolsa, colocou no ombro e começou a procurar pelos meninos. O ex também fazia a mesma coisa. Naquela barulhenta confusão, ele acabou esbarrando em um rapaz apressado que passava com uma bandeja cheia de tulipas que seriam sorvidas pela turma da mesa central.

“-Merda”! Gritou o apressado rapaz,” - Veja por onde anda seu tonto”.

O ex ficou assustado com a ousadia do rapaz e retrucou: “–Vou falar com o gerente.”

O rapaz sacudiu os ombros e já estava lá longe quando gritou: “-Pode ir, ele está bem ali”.

O ex olhou para a direção e viu que o gerente só podia ser aquele senhor que estava bem no meio daquela mesa confusa e em turbilhão.

Não pensou muito no que poderia fazer, pois não teria muita opção. Encontrou com Maria e um dos meninos voltando com ela, enquanto os outros dois jogavam alguma coisa que ao longe ele não pode ver direito, mas imaginou ser uma laranja.

Maria, o ex e Nilson sentaram-se e tentaram esperar pelo cardápio que ainda não tinha chegado. O ex foi ficando nervoso, pois Maria fazia cara e bocas de desespero, pois os alarmes já tinham tocado e o caos estava começando em segundos. Nilson sozinho comeu duas partes das pastas e roeu quase todas as torradas. Desespero total.

Enfim apareceu alguém, não era para trazer o cardápio, não. Eram duas senhoras da mesa em festa, com os meninos pelas mãos gritando alto: “Segurem seus animaizinhos, eles são terríveis, estão jogando futebol com uma laranja que roubaram na cozinha”. Maria foi ficando vermelha, mas segurou a onda para não agredir uma das senhoras. Os meninos sentaram-se e não conseguiram aguardar nem dois minutos, começaram a gritar:

“Mãeeeeeeeeeeee estamos com fome”. Os gritos ecoaram pelo restaurante, fora saíram pela porta, atravessaram a rua e invadiram o bairro. Todas as pessoas que estavam ali pararam por um momento e encararam a realidade.

O gerente aproximou-se da mesa onde eles estavam e perguntou bem alto: “Que foi isso aqui? Ninguém no meu estabelecimento grita mais alto do que eu. Começou a disparar uma metralhadora cega de palavras de baixo calão contra a pobre família que só desejava almoçar com dignidade num certo domingo.

O ex não pensou duas vezes, assoviou para os meninos que entenderam o recado. Saíram da mesa, fizeram fila e seguiram o pai, atrás ia Maria revoltada sem dizer uma palavra.

Lá fora o ex tentava consolar a mulher frustrada, enquanto os meninos olhavam para os dois sem entender o que se passava. A fome apertava. Caminharam menos de duzentos metros, encontraram um restaurante pé sujo, fundo de quintal. Foram prontamente atendidos e as crianças ainda encontraram um lugar para brincar enquanto Maria e o ex trocavam olhares misteriosos, mas cheios de promessas futuras, misto de lembranças passadas.

Alguns meses depois o restaurante abriu falência por causa da má administração. O ex e Maria reataram. E os trigêmeos acabavam de ganhar uma irmãzinha, a pequena Bruna, que certamente reinaria absoluta naquela família.

Aradia Rhianon
Enviado por Aradia Rhianon em 19/09/2014
Código do texto: T4968416
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