Sonhos de solteironas

Sacudidão pros seus sessenta e poucos anos, aquele mulato, de quem ficou a memória apenas ser `o pai da Zeca`, impressionava tanto pelos bigodes quanto pela deleitosa conversa.

Uma só a visita que vespertina fez às irmãs Velusianas, todas solteironas já aposentadas da companhia de tecelagem, deixou profunda a marca de sua sapiência e hombridade. `Pai da Zeca` era mesmo o pai de Zeca, colega de fábrica mais moça daquelas velusianas, que ainda teria um tempo pela frente antes de se dedicar aos gozos perenes da aposentadoria. A separação delas, contudo, não desfazia os laços de amizade que, se iam ficando tênues, eram reforçados com o suprimento de bananas que o sítio do pai de Zeca produzia, e o próprio pai, `Pai de Zeca`, enviuvado, cuja visita à casa das aposentadas, e ainda casadoiras, ela, a Zeca, fortemente recomendara.

`Pai de Zeca`, os belos bigodes mostravam, não vivia só das bananas: aprendera a lidar com trator e contava, com largos e fluidos sorrisos as maravilhas que o domínio da máquina lhe proporcionava. Graças àquela habilidade, mais destra e prática do que a da enxada, o `Pai de Zeca` lograra ser mandado lá pros lados do Paraguai ou Bolívia para trabalhar na construção de estradas `...e viver no meio daquela indiaiada`.

Ganhara bom dinheiro, dizia, enquanto provava do bolo de chocolate com café - feitos especialmente para ele - pelas Velusianas, mais

maravilhadas elas, ao lhe ouvirem os relatos. Muito mais havia aprendido lá por aquelas bandas arriscadas, frisava, pois havia homem demais para poucas mulheres que por lá se aventurassem. Daí,

concluía, e sorria: casamento lá, pra mulher é fácil demais, conheço lá muito fazendeiro abastado necessitado de uma união. E moça daqui de Minas é um tesouro em cima da terra - e abaixo do céu.

Das animadas Velusianas, a mais exaltada era Justiniana, justamente a primogênita, que ainda sonhava com a promessa do véu e grinalda que se desfilava docemente dos bigodes do visitante. Agora, assinalava ele com certa gravidade, o difícil lá é a língua. Poucos entendem e pouco entendem a nossa. Temos que aprender a língua deles, por exemplo,

diucá é matá...

Contudo, nem aquele pressagioso vocábulo que escolhera para exemplificar a questão linguística parecia impactar negativamente as casadoiras Velusianas. Continuavam deslumbradas com a perspectiva de uma nova vida e andavam certas de uma mais próxima visita do Pai da Zeca, aquela figura envolvente e convincente.

Promessa feita, ilusão logo desfeita. Poucos dias depois, numa desafortunada manobra tratoral, a máquina, insensível aos sabores e saberes da vida, irremediavelmente, ao pai de Zeca, aquela peça rara, o diucara.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 18/09/2014
Código do texto: T4966575
Classificação de conteúdo: seguro