O SAQUINHO DE PETAS

O relógio andava bem avançado e a noite começava a querer ceder espaço para o dia. Sonolento, dei as últimas zapeadas no controle remoto e considerei cumprido o meu hábito de conferir as mesmas notícias propagadas pelos noticiários da TV. Desliguei o aparelho e fui para a cama dormir.

Já deitado meus pensamentos, resumindo os infortúnios do dia, foram interrompidos e comecei a mergulhar num bruta pesadelo que tinha muito a ver com a enxurrada de notícias da violenta decadência nacional.

No pesadelo, havia saído de casa para ir a um supermercado comprar alguns gêneros, que já estavam faltando no armário da cozinha. Na saída, ao passar pelo caixa, comprei um saquinho de petas, daquelas bem torradinha que fazem aquele barulhinho legal ao serem mastigadas...

A uns míseros quilômetros da minha rua, fiquei empacado no trânsito. Ninguém andava nem para a frente, nem para trás; um tremendo rolezão em frente ao supermercado dava conta de uma baderna em que um enxame de gente raivosa quebrava e saqueava tudo o que ainda restava.

No carro, entalado na avenida, a CBN berrava sobre o motivo da desgraça. Notícias anteriores davam conta de que os mercados estavam ficando desabastecidos em razão de problemas havidos no campo.

Segundo o repórter, ações do governo incentivavam os movimentos campesinos à invasão de propriedades particulares, agrícolas, em especial aquelas ligadas à agroindústria.

Com isso, os empresários, sob pressão violenta, fugiram deixando suas propriedades e terras em mãos dos movimentos camponeses. Esses, vitoriosos com o politicamente correto, agora podiam produzir para alimentar os seus e faziam festa de tanta felicidade. Davam vivas ao governo a aos próceres dos “movimentos”.

Como não tinham recursos financeiros, cultura tecnológica, agronômica ou administrativa, viram as imensas lavouras se transformarem em pequenos canteiros de horta e os rebanhos reduzirem-se a algumas vacas no fundo do quintal. Já dava para o leite e uma coalhadazinha...

As máquinas, que não sabiam operar e não podiam manter, iam sendo carcomidas pela ferrugem que emperravam suas partes. Viraram monumentos da virada vitoriosa...

Os imensos canaviais, queimados pela insânia, arderam junto com as usinas e os postos de combustível, pelas cidades estavam com os tanques vazios e sem perspectivas de voltarem a ficar cheios.

Os que ainda tinham um resto lá pelo fundo, viraram palco de contenda entre os proprietários de veículos que brigavam por um ou outro litro do combustível.

Como não havia possibilidade de deslocamento para o trabalho, ficaram paralisadas quase todas as atividades produtivas que alimentavam o comércio e a indústria. As usinas de refinaria de petróleo tiveram suas reservas saqueadas e se tornaram incapazes de produzir, daquele momento em diante. Simplesmente, ficaram paralisadas, definitivamente.

Como não podia deixar de ser, nas cidades, o desabastecimento fatal induzia o povaréu a ir buscar o que comer onde ainda houvesse, mesmo que fosse uma pequena chance.

No meio da turbulência, as pessoas podiam ver, misturados à turba, policiais uniformizados. Só, que dessa vez, esses agentes da lei mandaram às favas a ordem pública. Em vez de baixar o cacete, como outrora, estavam tratando de cuidar de ver se conseguiam algum saquinho de arroz ou um frango congelado para levar para seus filhos, em casa.

A polícia virou povo desassistido e com ele se confundiu no saque. Uma viatura saiu, de dentro do “Atacadão”, com a sirene a todo o gás, lotada de sacos de feijão fradinho, um montão de pacotes de salsicha e um outro tanto de “petiscos de frango temperado”...

Como os trabalhadores e funcionários urbanos não tinham meios de transporte para se deslocarem do trabalho para casa, não mais foram aos seus postos funcionais. Em conseqüência, os bancos paralisaram suas atividades, as agências fecharam e os terminais eletrônicos ficaram desativados.

Em conseqüência, a corrida bancária terminou em depredação e, como o dinheiro, em sua maior parte, havia sido transformado em “bits”, o meio circulante ficou impossível de sobreviver, da maneira habitual. Os cartões magnéticos passaram a ser objetos inservíveis, definitivamente.

No meio desse tumulto social a que os “movimentos” salvadores deram passagem, estava metido no trânsito engarrafado, sem saber de que jeito poderia escapar. Foi, quando, de repente, um sujeito meteu a mão pela metade do vidro que estava aberta agarrando meu pescoço, pela nuca!

Era um cara gordo e alto, com feições de armário ou geladeira de açougue. Com a outra mão enfiou o cano do revolver no meu ouvido esquerdo!

Antes que dissesse qualquer coisa, fui logo abrindo o jogo:

-- Espera ai, rapaz! Não precisa violência! Pode levar o dinheiro e o cartão de crédito! Aproveita e anota a senha! É 732405!

E para quê vou querer essa porcaria de cartão? Não vale mais nada, mesmo! Os bancos pararam e nenhum caixa automático irá mais funcionar! Já começou um apagão que não vai terminar nunca, pois todo mundo está correndo atrás de alguma coisa para comer e não vai mais perder tempo trabalhando. Não há mais dinheiro, nem salário e nem porcaria nenhuma! Quem quiser comer alguma coisa tem que tomar de quem ainda tem!

Agora, chega de conversa fiada! Pode ir passando esse saco de peta que está aí em cima do banco do carona!

Só deu para ver o sujeito gordo sair correndo com o revólver na mão e o saquinho de petas, ainda fechado!

Acordei suando por todos os poros e com uma raiva sem tamanho, misturada com pavor, diante da iminência da morte em um assalto, por causa de um mísero saquinho de petas!

Levantei-me, fui tomar um gole de água e, para não perder a oportunidade, passei a mão em um saquinho de petas na cesta da cozinha e fui para a cama...

Minha mulher acordou com o ruído do biscoito sendo mastigado.

-- Você está maluco? Isso é hora de comer biscoito? Ainda mais, na cama? Que diabos está acontecendo com você?

-- Nada não, minha filha! Foi só um sonho sugestivo!

Ela virou-se para o outro lado, deu um muxoxo e voltou a dormir. Eu fiquei pensando que, do jeito que as coisas estão caminhando e pelo zoar das notícias que rolam, no campo, logo, logo, vai ter gente roubando sacos de peta pelo país inteiro...

F I M

Amelius
Enviado por Amelius em 15/09/2014
Código do texto: T4963515
Classificação de conteúdo: seguro