Só há ouro onde o encontro
Doutores, catedráticos, artistas, escritores, políticos. A velhice sente-se na pintura dos cabelos, na flacidez dos rostos, nas palavras que dizem, arrastadas, moles, quase com vontade de silêncio. Estas pessoas foram a nata da sociedade e não querem sair da ribalta mesmo quando aposentadas. Custa-lhes que os mais jovens apareçam para lhes disputar o brilho, o poder. Exatamente por isso criaram esta espécie de Clube Real, um espaço que mistura o culto do passado e a vontade de ser importante. Alimentam-se de discursos laudatórios, da leitura de currículos, de aparências. Cruzam informação e favores. Acham-se a referência da terra. Fui convidado para fazer as fotos da cerimónia da abertura do novo ano e reparei nela, mal vestida, deslocada, incapaz de disfarçar o desgosto que sentia por estar ali a ver passar os vaidosos com colares honoríficos, togas, medalhões e fitas. - Vim para, a pedido de minha avó, fazer o registo da festa, disse-me logo que os discursos começaram. Tentei gastar o tempo olhando os quadros expostos, maquetas de estátuas que não tiveram vez, fotos encaixilhadas de glórias tão antigas como Braga, tudo com um aroma a velho, jeito de falsa nobreza ou de nobreza esquecida de ser nobre. As pessoas animam-se com as mesuras e riem mas Leo, a neta, torce-se sob a objetiva da máquina e suspira. Gostei de si, segredei-lhe ao ouvido. Ela abriu um sorriso perfeito, agradada, e respondeu: - eu também o acho simpático. Tomamos um café depois? – Só amanhã, 18 horas, no bar da esquina, disse-me antes de regular a lente para, uma vez mais, por a avó em primeiro plano. Já com a medalha ao pescoço a senhora lembrava uma ovelha premiada.
Edgardo Xavier.
Sintra, 14 de Setembro de 2014.