Crianças

Quando se tem filhos, e quem tem sabe do que estou falando, não basta ser pai, tem que ser palhaço, mentiroso, o mais forte, bonito, elegante, inteligente, rico e um monte de adjetivos. Passa o tempo, eles crescem e constatam que o pai não é tudo aquilo que eles supunham ser.

Estávamos à mesa, em pergunta aos três sobre o que queriam ser quando crescessem, uma respondeu que queria ser professora; o menino queria ser um modesto juiz federal e a outra filha olhou para mim e falou: “Quero ser é cobradora de ônibus.” Perguntei surpreso por quê. Ela me respondeu: “Viu a quantidade de dinheiro que todo dia ele leva pra casa? Ele é rico!” Bem, não quis tirar a sua ilusão e concordei. Outra vez, ao chegar em casa de bicicleta, cansado e suado, elas olham para mim e falam: “Pai, por que o senhor não vai na loja e pega seu carro?”. Eu: “Como assim”? “Ah, a moça da televisão disse que é só entrar na loja e pegar o carro, não paga nada. E o senhor fica aí andando de bicicleta e de ônibus, sei não!”. Depois assisti o comercial, como a maioria dos comerciais, joga na cabeça da criançada que seus pais não compram porque são burros. É esta a sensação.

Outro dia, uma delas ia com a mãe, que não comprou o que ela pediu, alegando falta de dinheiro. Ela olhou e viu máquinas dos bancos 24h e disse: ”Papai quando quer dinheiro vai ali e tira, é só ir na máquina e pegar o dinheiro, fácil, fácil!”

E contar histórias para eles dormirem? Você conta, tem que fazer toda sonoplastia, não pode fugir um pouquinho sequer do roteiro, caso por cansaço ou esquecimento ou porque você tá louco pra assistir seu filme favorito ou tomar sua cerveja em paz e relaxe na hora de contar e omite ou adianta a história, os três falam logo “não é atim , não é atim”... lá vai você recomeçar tudo de novo.

O menino tinha que fazer exame de sangue e dizia aos berros “não vou, porque eles vão tirar todo meu sangue!”, isso aos berros. Lá vou eu tentar explicar a ele que era só um pouquinho do sangue e pronto, nada disso adiantava e nem acalmava-o. Num momento que paciência passou longe, e disse quase gritando “Vai tirar todo seu sangue e você vai ficar sem sangue!” Ele: “Não vai não, vai não!” Funcionou, ele deixou tirar e falou: “Você tava errado”. Ele só funcionava dessa maneira, um corte ou uma queda, ele chorava e dizia: “ Vou morrer, vou morrer.” E dizíamos a ele que isso não matava, aí ele falava “vou tim , vou tim...” Eu saía sério e falava “Vai morrer sim”. E ele “vou não, vou não!” E quando íamos fazer um pagamento pelo bairro mesmo, ele se aprontava igual a mim, óculos escuros, se o meu atual era fora de moda, imagina os antigos, e era desses que ele pegava, óculos, pochete, camisa regata por dentro do calção, olhava para ele e dizia pra mim mesmo “preciso mudar minha maneira de vestir-me”. E ele se achava o máximo.

E as meninas, quando as levada no ônibus, me tiravam do sério quando pediam que cantasse “Bate a porta, Mariquinha”, da dupla Sandy e Júnior, logo eu que não canto nem em banheiro imagine no ônibus, passageiros olhando disfarçadamente e eu tentando dissuadi-las e nada. O jeito era cantar “Bata a porta...” e elas “não é atim, não é atim..." Nessas alturas, os passageiros já riam sem pudor algum e eu, sorrindo e saindo pela tangente: “essas crianças...”

Por isso eu falo a todos que pretendem ter filhos: cuidado com os sorrisos, os olhos e suas peraltices, você acaba não se contentando em ter só um.

28/08/14

Genivaldo Ribeiro
Enviado por Genivaldo Ribeiro em 13/09/2014
Reeditado em 15/09/2014
Código do texto: T4960400
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