Olhares de Cleusinha
E nem era uma daquelas noites de sábado... mas o
movimento da `boîte` já prometia.
Em torno de uma cerveja conversávamos três ou quatro e
nem noventa anos juntos somávamos. Mas a noite, na
boîte, e na nossa esperança, era bem mais criança.
Fazia algum tempo que eu não me encontrava com o
Wilson, outrora leiteiro, que fora parar em São Paulo,
justamente na Nestlé. Tava `corado e bonito` como o
definiria bem minha tia Justiniana, que pouco na vida
namorara mas era boa pra definir um cara pela cara. E
Wilson guardava ainda aquela parecença com o Getúlio
Vargas, das cédulas de Cr$10,00, só que bem mais verde
que a nota se notava.
E, mais que a música, ou a dança, a conversa rendia,
sem poupança. Tanto assunto no ar, tanta coisa a
falar, além de piadas sem contar.
E eis que no constante espiar das mesas circundantes
diviso Cleusinha, mais que bem mocinha, com suas
sobrancelhas negras de dar inveja a uma Joan Crawford.
E inquieta, olhava para nossa mesa com intensidade,
apesar da relativa distância, e parecia antecipar
eventos por vir, ao cochichar com as amigas.
Animado pela cerveja, ou já libre como a Cuba de
Castro, minha memória revolveu a uns anos passados em
que aqueles olhares pareciam - e padeciam - de
encontro aos meus, sem que nada avançasse. Era a hora
de recuperar o passado, o tempo perdido, a distância,
um mal-entendido?
Muni-me de coragem e, mais um golo, lá fui à mesa de
Cleusa, na certeza de que ia abafar. E mal fiz menção
de me assentar, após cumprimentar, eis que a bela
donzela me diz, de supetão, toda feliz: O Aulow, diz
pro Wilson vir sentar aqui bem perto de meu coração,
que já não agüento de emoção.