A menina de 16 anos chegou muito triste. Acabara de trazer os resultados dos exames. Grávida, muito grávida... Ela já tinha avisado aos pais. O pai só disse que ela precisava falar com a avó e que não iria dar nenhuma opinião. A mãe desacatou o namorado e até ameaçou expulsá-lo de casa.
Fiquei pasma. Nos dias de hoje? Como pode alguém fazer isso?
A garota estava decepcionada. Esperava compreensão e apoio. Teve em troca só revolta e descaso. Fiquei observando aquela menina-mulher, que até a última consulta nem falava direito, não me fitava; não dava qualquer reação de empatia comigo. Ela estava lá me pedindo ajuda, não sabia bem para quê ou o que precisava.
Na hora eu bocejei e pedi desculpas. O sono me traiu - não pude evitar. Quanto mais eu tentava esconder, mais me vinha o bocejo indiscreto. Ela também começou a bocejar. Foi automático - uma reação em cadeia. Percebemos isso e começamos a rir. Seus olhos estavam cheios de lágrimas e seu sorriso fazia o contraste.
Naquele momento a gente não tinha diferença de idade ou de posição. Foi uma súbita reação humana, que chegou na hora certa, para quebrar o gelo que estava entre nós até aquele dia.
Ela me enxergou pela primeira vez. Acho que comecei a olhar para ela diferente também.
O que o bocejo tem que contagia? Como se pode explicar isso? Se a gente consegue hipnotizar uma pessoa com uma simples mímica facial, também podemos ter uma arma tão poderosa ou mais, que é a palavra.
Fiquei intrigada com a reação do pai. Ele se calou e ainda recomendou que a moça conversasse com a avó.
Tomei coragem e perguntei a ela porque seu pai necessitava da opinião da mãe dele.
Ela falou que ele era uma criança ainda, filhinho de mamãe e, ao mesmo tempo, um velho, um morto...
Quis saber sua idade. Ela disse que ele tinha 45 anos.
“Mas, eu sou mais velha que ele!”- eu disse.
Ela me olhou, meio desconfiada e falou: “Não te vejo pela idade e não parece tão velha assim“.
Bem, se sou “velha” ou não, naquela hora, a idade não importava muito. A gente até brincou como criança.
Mas, falei sério com ela. Achei que sua decisão em não abortar e de enfrentar a situação, mesmo sem saber o que lhe esperava, foi muito madura. Disse que seus pais deveriam avaliar melhor essa relação com ela, rever valores, essas coisas.
A linda moça não prestava atenção mais em mim. Lá vinha o bocejo de novo e o sorrisinho. As lágrimas agora eram de sono. Achei melhor terminar por ali o papo, pois não estávamos em sintonia, ou, talvez, a sintonia tenha sido perfeita demais.
Ela ouviu todas as recomendações de praxe; se levantou; abriu a porta; olhou pra trás e me recomendou: “Durma bem, doutora...”.
Eu dormi.
Leila Marinho Lage
Rio de Janeiro, 2006