A Ilha
Deixei de poder subir pelas escadas rolantes e as outras travam-me as pernas. A tontura nunca avisa mas acontece-me em qualquer parte. Fico já no piso térreo. Vim aqui para matar a solidão. Isto é um enorme centro comercial e acreditei que poderia, neste espaço com mesas e cadeiras, encontrar alguém que pudesse tomar um café comigo e falar-me da vida ou do tempo. Há muita gente mas indisponível. Concentram-se, dedilham e comunicam pelos telefones ou pelos portáteis. Ninguém olha para mim. Ninguém conversa com ninguém. A imagem das pessoas nesta esplanada é, como previu Alvin Toffler, anacrónica e desoladora. Saí do Lar sem que dessem por isso e tenciono entrar quando abrirem o portão de serventia. Na verdade não creio que sintam a minha falta. As pessoas esquecem tudo. Quando me deixaram lá iam ver-me todos os domingos, depois passaram a ir cada quinze dias e, a seguir, só no Natal. Traziam roupa usada pelo António e peúgas novas. O ano passado não vieram. O que me mandam agora é exigido pela Diretoria, chega pelo correio e os pagamentos são feitos por transferência bancária. Acho que me fui tornando um problema, um peso, um contratempo para a família. Não os culpo pelo alheamento, pelo descaso, pela ausência. Eles têm de trabalhar, correr, enfrentar as filas e os transportes, enfrentar os chefes, as exigências dos filhos, o custo da vida. Precisam de descansar no fim de semana. Precisam de esquecer que são escravos. Pena que os meus limites não afetem o cérebro. Estou lúcido e dói-me a minha circunstância. A tontura faz parte da depressão. Eu sou uma ilha.