O Avaliador
É fácil ler a alegria num rosto qualquer. Na regra geral as pessoas riem se estão felizes ou bem-dispostas e choram quando lhes dói o corpo ou a alma. Tudo é muito fácil de perceber nas pontas da análise, dizias à turma de adolescentes já perplexos com o tema da lição. Falaste a seguir da perua choca que chamava os modelos de pintos de peru, cada vez menos perfeitos e parecidos com o natural, até chegar a um que lhe suscitava dúvida. Perplexa, a perua choca não sabia se chamava ou se bicava o modelo. O anterior chamava, o seguinte, recusava bicando-o. Depois perguntaste: quando é que um recipiente, pela forma, deixa de ser copo para ser taça? E mostraste um nítido copo, uma taça definida como se recomenda nos compêndios de psicologia comparada. O difícil, é decidir longe dos extremos, quando as coisas se tornam ambíguas, quando o assunto é geral. Difícil é avaliar os atos de gente diferente sobre a mesma circunstância. Ainda te ouvi citar António Ramos Rosa e ler nacos de “Incisões Oblíquas”, aludir a “Feira das Vaidades” de Tom Wolf e ao filme “Jardins de Pedra “ de Coppola. Defendias que eram aceitáveis variações de rigor e valor na apreciação de qualquer coisa ou pessoa em função da constituição genética, saúde, informação e educação de quem a fazia. Para uns, disseste, o realismo factual da pintura traduz melhor o artista enquanto que, para outros, é a invenção de um novo real que importa. A conciliação de assuntos, conceitos, gosto e vontades divergentes só é possível com sensibilidade, bom senso e ductilidade. Só saí no fim da tua aula a que assisti cheio de interesse mas tinha de avaliar-te pela aplicação do programa oficial e, apesar da elevada pedagogia demonstrada e da franca adesão dos alunos, a nota deveria ser negativa. Sabendo disso, olhaste-me desafiadora e eu sorri. Para um bom professor a nota deve ser de excelência, disse-te. Com receio de que me interpretasses mal, só no mês seguinte te convidei para jantar.
FIM