BODAS DE PRATA

BODAS DE PRATA

BETO MACHADO

CÉLIO, diante do enguiço do seu carro, tomou emprestado a “camela” de um vizinho e saiu. Sua ida até o centro de CAMPO GRANDE teria que ser rápida e o retorno o mais breve possível. Ele se achava diante de duas exigências temporais. Felizmente a bike era daquelas confortáveis. As marchas poupavam-lhe os esforços físicos nas subidas. Tanto que nem se deu conta da ladeira da estrada do Cabuçu, quando essa separa os sub bairros Vila Jardim e Arnaldo Eugênio. Um dos motivos de CÉLIO se ver apressado naquele sábado ensolarado, pela manhã, era o ensaio de sua banda, marcado para as duas horas da tarde, na casa do JULINHO PERCUSSÃO.

Mesmo ciente de seus compromissos não pôde continuar pedalando ante o aceno, um tanto espalhafatoso, de TININHA, amiga de “mili anos”, que quase se joga à frente do amigo para fazê-lo parar. Ela descia, despreocupada, da rua Camanducaia e já o tinha avistado de longe. Tininha não se perdoaria se perdesse aquela oportunidade de convidar, pessoalmente, o amigo de infância, hoje CELINHO do CAVACO, para a festa mais importante que acontecia anualmente na sua casa.

--- Só um minuto, CELINHO.

---Pô, pra você até dez.

---Obrigada, amor. Te parei pra te convidar pra minha festa de aniversário de vinte e cinco anos.

---Caô, TININHA... Eu tô com quarenta e quando eu tinha dez tu já me dava cascudo nas brincadeiras lá da rua Mario Barbosa...

---Calma. Tu não deixa eu molhar o bico.

---Fala tu, então.

---São vinte e cinco anos que eu escapei da morte, que se apresentou a mim fantasiada de infarto do miocárdio. Só que DEUS arrancou a máscara dela e aí, todo ano eu comemoro com os amigos.

---Que barato! ! ! Tô dentro. Eu não perco uma festa dessas por nada nesse mundo.

---Tem um prospecto, colado, lá no Bar Cadeira Branca. Chega lá pra saber os detalhes.

---Falô. Beijo.

---Beijo.

CÉLIO foi, dali em diante, ensimesmado, a pensar na originalidade da motivação daquela festa. Jamais ouvira falar em coisa semelhante.

Resolvidos todos os problemas de cunho comercial, listados pela esposa, CÉLIO parte para eliminar sua curiosidade: ver o tal prospecto no Cadeira Branca.

Duas mesas unidas, um punhado de amigos aboletados a bebericar e a trocar impressões sobre tudo e uma discussão fervorosa por conta do corte de um samba de enredo, lindo por sinal, que concorria no SERENO DE CAMPO GRANDE, recepcionaram Célio naquele ambiente fraternal. O que TININHA chamara de prospecto, na verdade, era um pequeno cartaz, que indicava local, data e requisitos para a participação da festa. Este ficou colado estrategicamente perto da mesa cativa do NESTOR, controlador da assiduidade dos freqüentadores do bar. CÉLIO leu e achou tudo dentro dos conformes.

A banda de pagode do CÉLIO aprimora-se nos ensaios para fazer bonito na estréia de uma grande temporada que fará no PALACE HALL, uma luxuosa casa de eventos na estrada da Cachamorra, um orgulho para a sociedade CAMPOGRANDENSE.

A casa de JULINHO PERCUSSÃO, local de ensaios da banda, tem um grande quintal que oferece a maior privacidade para os músicos, somada ao silêncio do recanto bucólico do LAMEIRÃO PEQUENO, aos pés do MACIÇO DA PEDRA BRANCA. A vizinhança de JULINHO já aguarda, ansiosa, a chegada do sábado para curtirem música ao vivo grátis, mesmo com as interrupções e repetições costumeiras, que caracterizam os ensaios.

Num dos intervalos CÉLIO contou aos companheiros da abordagem que recebeu da TININHA, pela manhã, na esquina de CABUÇU com CAMANDUCAIA. A galera se assanhou de imediato. Mas CÉLIO, conhecendo bem seu povo, tratou de tirar o seu da reta.

---Só tenho que alertar a vocês que convidado na convida.

---Que isso, parceiro?

---Pois é... Eu fui convidado... Façam por merecer serem convidados. Lá no bar Cadeira Branca tem um cartaz colado, dando as coordenadas.

---Aniversário de infarto... Se a moda pega...

---E são vinte e cinco anos ! !

---Bodas de Prata. Na moral; é muito maneiro um lance desse... Eu tive uma idéia.

---Fala tu.

---E se a gente fizesse uma cortesia para ela?

---Como assim?

---A gente podia tocar na festa dela... Formar um pagode de mesa... Zero oitocentos.

---Taí um fato que poderá enriquecer nosso currículo. Por mim ta fechado.

Diante do argumento do enriquecimento do currículo todos aceitaram. CÉLIO então vaticinou:

---Dia onze do nove vamos tocar na festa de BODAS DE PRATA que comemora a recuperação de um coração outrora infartado. É o coração da GUERREIRA TININHA... Amanhã eu vou estar com ela no PAGODE DA FEIRA DE CAMPO GRANDE, que, por sinal, está BOMBANDO, e fica tudo acertado.

Roberto Candido Machado
Enviado por Roberto Candido Machado em 30/08/2014
Reeditado em 31/08/2014
Código do texto: T4943581
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