Os Grandes Olhos de Silva

Dando uma volta pela cidade vizinha, longe de R. P., curti o começo de noite pelas ruas bem mais urbanas de San Andreas. Muitas das minhas histórias começam ou terminam de alguma forma em San Andreas e suas ruas, seus becos, suas dobras, motéis baratos... Mas estava apenas de vadiagem.

Passei em frente a faculdade. Deus! Frequentei esse lugar por três cansados anos. Olha como tudo mudou! Nem parece o mesmo lugar. Parece que nada sobrou daqueles tempos, nada! Nadinha! E pensar que oito anos atrás eu entrara ali pela primeira vez com longas madeixas encaracoladas (sempre fui um relaxado), sentindo-me completamente deslocado.

Resolvi seguir em frente e dobrei duas ruas para chegar ao calçadão da Oliveira Lima. Agora, depois das dezoito horas, o lugar ficava largado aos loucos. Fui subindo a ladeira, vendo todas aquelas grandes lojas e suas fachadas fechadas. Já vivi poucas e boas naquela rua, matei muita aula na faculdade pra tomar cerveja com um velho amigo, também universitário... E saia com um grupo de garotas que trabalhavam juntas, não me lembro como conheci elas, mas um dia me dei conta que estávamos comendo lanches numa barraquinha bem escondida e de higiene duvidosa. Mas os lanches eram caprichados e não custavam quase nada, eram saborosos. O tio dos lanches sempre era legal comigo, ele se chamava Américo, mas todos chamavam ele de Tito.

"- Vai querer frango ou calabresa meu chapa?

- O de sempre, frango com molho barbecue e queijo.

- Pra que escolher carinha, vou por as duas coisas!

- Você é o rei, Tito, vai pro céu!

- Mas não hoje carinha! Hoje não! Tô mais vivo que ontem, heim?"

Os diálogos eram sempre iguais. Eu gostava do Tito, ele gostava de mim e caprichava nos meus lanches. Enfim, faz um tempão que não passo na barraquinha dele e passeio com essas moças, faz anos. Mas estou bem com tudo isso.

Continuei andando por ali, pelas esquinas infinitas daquele pedaço de cidade. Já havia saído da Oliveira Lima, eu gostava daquela rua, mas era um gostar distante, como San Andreas em si, triste em muitas direções. Já havia chegado na Avenida Perimetral. Havia um bar ali, onde tocava um bom som. Sentei-me em uma mesa e fiquei curtindo a música. O bar estava vazio, contando comigo, não havia mais que três ou quatro solitários. Pedi um uísque, dose dupla, treze anos, sem gelo. Depois outro uísque e uma soda. Por fim uma cerveja. Tudo isso me deixou suficientemente ébrio, mas não completamente bêbado. Eis que senti um arrepio, um calafrio que percorre a espinha, uma sensação de morte e êxtase: Uma mulher irrompeu por entre as mesas e apoiou-se no balcão. Que rabo espetacular! Cabelos longos, lisos e negros... Pele marrom, pele de índia. Pediu uma cerveja. Sentou-se numa mesa próxima, mas não muito próxima da que eu estava sentado.

Quando encarei ela, apesar do uísque, pude reconhecê-la. Silva. Silva era filha de um delegado de polícia por quem eu tive uma queda na época da faculdade e depois da minha separação, tivemos uns breves encontros e noites compartilhadas. Estava ainda mais linda, algumas pessoas são (devem ser) imunes ao tempo (e eu não sou uma delas). Ela me encarou por um tempo, forçando as vistas.

- Rizzie?

- Não há outro no mundo, meu bem.

- Tá de brincadeira. Nunca imaginei ver você de novo por essas bandas.

- Pois é.

- Tá fazendo o quê? Esperando alguém?

- Só a morte.

- Não entendi.

- Esquece Silva! Eu sou um esquisito, você sabe. É bobagem minha. Como cê tá moça? Faz anos que não te vejo...

- Eu não queria ver você por uns bons anos mesmo. Você é um babaca.

- Eu sei, também não queria me ver.

- Você não bebia antes...

- É a vida. Sempre me pega de um jeito ou de outro. E seu namorado?

- Que namorado? Ah... Aquele lá nunca soube de nós dois, mas não estou mais com ele faz um bom tempo.

- Fico feliz por isso. Mais do que você. Quero dizer, por ele não ter descoberto, sabe...

- É. E a Pietra?

- Já foi faz tempo.

- Não gostava dela. Não que você mereça coisa muito melhor, mas...

- Qual é? Ainda me culpa? Eu sou idiota, mas não desse tipo. Naquela época, minha maior idiotice foi ter dado trela praquela porra de história que você inventou. De trote e de eu estar tentando te separar do seu namorado.

A conversa suavizou um pouco. Ficamos falando da faculdade (que nunca concluí) e por onde anda a rapaziada. Tomamos mais algumas cervejas. Uma noite fresca de sábado, início da primavera. Falamos dos nossos empregos, no meu caso, eu havia dado cano (mais uma vez) no trabalho pra variar (ou vadiar). Vejam: Sempre fui um funcionário exemplar.

Silva estava um pouco insegura, não relaxava na minha presença. Continuava usando drogas, fumava maconha e cheirava coca ocasionalmente. O pai sabia, mas era rígido apenas com os bandidos e com a irmã de Silva, que era ainda mais gostosa que ela. Silva é a mulher mais bonita que já conheci, era espetacular, da voz, as feições e linhas do corpo... Mas era carente e depressiva, sentia-se sozinha pois, assim como todas as garotas bonitas, vivia cercada de pessoas que queriam seu corpo, apenas. Reclamava que ninguém conversava profundamente com ela, que detestava ser um "troféu" que os homens tanto querem erguer e exibir. Eu não pudia tirar a razão das pessoas que não queriam ouvir o que ela tinha pra dizer: Era infantil, dizia ter sexto sentido praticar bruxaria, acreditava em todo tipo de misticismo e charlatanice. Era possível vender galhos secos como varinhas mágicas e a pobre Silva iria acreditar inocentemente no poder do pedaço de pau. Ela dizia que tinha visões e se comunicava com a natureza, graças a descendência indígena. Tipicamente pisciana.

- Sabe, Rizzie...

- Fala boneca!

- Você continua sendo a única pessoa que me escuta.

- A vida é mesmo cruel, sinto muito por você!

- Não! Você é legal. Você tem, sei lá, brilho.

- Bebe um pouco de uísque... Toma...

- Olha, ainda acho que foi você que passou aquele trote.

- Pro inferno com essa porra de trote e brilho! Não vou discutir isso depois de cinco anos. Supera, seu namorado não descobriu nada e eu ainda tenho meus preciosos dentinhos e isso é tudo que importa!

- Foi mal.

- Tá tudo bem. Me dá um gole dessa cerva.

- Quero sair daqui, Rizzie. Me acompanha?

- Deixa eu terminar meu drinque. É coisa da mais fina.

- Você agora é bêbado.

- Você ainda faz um monte de merda com você mesmo e eu não tô julgando.

Ela estava dirigindo um Ford Focus, novinho em folha, modelo novo, do ano. Presente do papai. Tomava multas à vontade pois era imune a lei, seu pai conseguia sumir com todas pois tinha contatos no Detran.

- Vou te levar pra R. P.

- Ok.

- Vou pela auto-estrada.

- Tá.

Sentou o pé no acelerador. O Focus atingiu 160 km/h num piscar de olhos. Estávamos voando baixo. A estrada era o caminho mais longo e mais rápido também, mas com ela decolando aquele carro, iríamos fazer em tempo recorde! Porém estava bêbada demais (e eu também), de modo que comecei a temer por minha vida.

- Silva?

- Quê?

- Diminui, tem uma... AH, MERDA! DIMINUI! DIMINUI!

- CARALHO, FODEU! SEGURA!!!

O carro não conseguiu virar e rodamos a toda velocidade numa curva longa, fomos pra fora da pista. Silva era meio suicida. Até pode ter sido intencional, mas acho que foi o álcool, pura e simplesmente. Tentou controlar o carro e frear mas parecia inútil. Éramos o peão de Deus, só pararíamos quando ele quisesse. Ela continuava xingando e tentando parar o Ford e eu fiquei débil, completamente débil (eu não queria morrer ali, não daquele jeito, ainda não). O carro rodou pela grama por alguns metros. Quase batemos em duas árvores e por pouco não fomos parar na represa. Abri a porta e me joguei pra fora, de joelhos, completamente zonzo. Silva fez o mesmo.

- Cristo! Escapamos.

- Rizzie? Cê tá bem?

- Tô sim, e você?

- Acho que estou bem. Caralho! Bati o cotovelo com força na porta.

- Essa foi por pouco.

- Eu sou uma inútil... Não consigo nem dirigir.

- Relaxa. Estamos bem. O carro tá bem. É só tomar um ar e seguir antes dos guardinhas ficarem sabendo. Algum babaca sempre avisa.

- NÃO! VOCÊ NÃO ENTENDE! NÃO TÁ PORRA NENHUMA BEM!!!

Desmontou-se em choro. Engatinhei até ela, ainda meio tonto e enjoado. Abracei ela, dando suaves palmadas em suas costas e dizendo "vai ficar tudo bem". Passou os braços e foi se acalmando e dizendo que só conseguia emprego se ficasse provocando os entrevistadores e vivia sendo assediada por gerentes de banco e empresários amigos de seu pai e ainda se vendia, por bem pouco, quando sentia raiva de tudo. Era uma vida difícil para a mulher mais bonita de San Andreas, ou assim ela fazia ser. Fui acalmando-a. Joguei meu agasalho sobre seus ombros, cobrindo-os. Ela olhou pra mim e em meio aos soluços e lágrimas, me deu beijos inconstantes, com mordidinhas e linguadas pontuais. A coisa não foi esquentando, só acontecendo... Segurei seus culotes e apertei, puxei pra perto de mim e apertei aquele corpo escultural contra o meu. Ela começou a se excitar e a arranhar minhas costas, enquanto mordiscava meu pescoço.

- Puta que pariu! Você é divina, um anjo.

- Cala a boca!

- Você tá acabando comigo...

- Nem comecei com você.

Meu pau subiu como um foguete indo pra lua. Pulamos pro banco de trás do Ford Focus e fomos arrancando as roupas, ela se deitou e disse "vem". Penetrei com força total, como uma besta sedenta por caça e carne fresca, agarrei aquelas coxas, joguei pra cima e meti com força, longas e barulhentas estocadas. Os seios dela espalhavam-se por todo o tórax e ficavam balançando, toquei em seus mamilos e fiquei brincando com eles... Ela estava curtindo, mas ainda chorava um pouco. Me empurrou pra trás e começou a chupar. Não existem bocas e línguas como aquela. Era um demônio, não mais um anjo.

- Caralho garota! Você quer mesmo me ver morto...

- Vai... Me enche de porra. Quero sua porra! Vou beber tudinho...

- Ah, merda... Continua!

Seguiu masturbando e chupando e não consegui segurar, já estava segurando faz tempo, ela era uma profissional! Escorreu um pouco pelo canto dos lábios, e enquanto olhava fixamente pra mim, limpou ali com o dedo indicador e depois o lambeu com satisfação. Veio mansa pra cima de mim e se deitou no meu colo, chorando baixinho.

- Silva, fica bem. Não quero te ver assim, peixinha.

- Desculpa, até pra trepar eu não presto! Quem chora durante uma trepada no meio da estrada?

- Foda-se isso boneca! Você é maravilhosa.

- Deve ser uma maldição, acho que fui amaldiçoada...

E lá se foi mais uma hora de mais uma noite em que ouvi essa baboseira. Mas compreendia a agonia de Silva. Sentia muita pena dela, agora, mais do que nunca... Em breve os anos iriam cobrar seu preço e ela não seria mais essa mulher espetacular e aí, finalmente, não teria ninguém, ninguém mesmo, nem mesmo pra transar numa noite fria. Ela estava desesperada pra encontrar seu espaço, sua identidade, ser alguém, e não mais somente uma buceta de ouro. Acalmei Silva mais uma vez, e beijei-a com doçura e carinho. Ela retribuiu. Fomos nos ajeitando e fizemos sexo bem coladinhos, devagar. Foi bom.

- Vou te levar pra sua casa, Rizzie.

- Certo.

- Estou cansada. Quero ir pra casa descansar.

- Você tá bem?

- Sim. Posso dirigir.

Silva guiou rápido, mas apenas o suficiente para ficar cinco ou seis quilômetros por hora acima do limite de velocidade. Ela era uma força da natureza, indomável, irriquieta. Apaixonante, em especial, quando ficava em silêncio e não reclamava da mentalidade das massas e dos homens da academia de ginástica e do bar. Lhe ensinei o caminho. Desci do carro, fui até a janela dela e debrucei-me.

- Está bem mesmo?

- Estou sim, Rizzie.

- Olha garota, esse aqui é meu telefone. Me liga se precisar.

- Ligo sim.

- Te amo Silva.

- Vai se foder.

Entrei, tomei uma ducha e fui pra cama. Sonhei com capotagens. Passados alguns dias, ela não me ligou. Resolvi eu ligar pra ela. Silva atendeu depois do telefone tocar muito... Estava chapada de drogas.

- Alôôô.

- Silva? Tá tudo bem garota? É o Rizzie.

- Rizzie? Queee Rizzie?

- Aquele que você encontrou no bar, quase matou na auto-estrada e depois levou pra casa.

- Rizzieee! Como você estáááá?

- Tô bem. E você?

- Ah, você sabe...

- Sei.

- Vamos transar de novooo algum dia deeesses? Eu tenho uma erva aqui que é tânrica.

- Tântrica.

- Isso! Você ééé...

- Sim, sim! Olha, tenta maneirar garota. Fica bem. Você é a garota mais quente de San Andreas. Pode ter tudo que quiser. Para de foder com esse corpo de anjo.

- É que... Que... Ser beeela é chato pra caralho.

- Ser feio e careca não é nem um pouco melhor.

- Vocêêê nem é feio Rizzie, você tem algo que é muito... Muito.

- Obrigado. Tenho que desligar. Se cuida.

- Valeu.

Eu nunca mais vi ou tive notícias de Silva. Ela não me ligou. Acho que ela só precisava de alguém que a ouvisse com mais frequência. Será que todos os homens ao redor dela não percebem isso? Precisam transar com ela pelo caminho mais difícil? Basta oferecer um pouco de refresco em troca e aquela alma queimada agradeceria com todo tipo de prazer. A humanidade é mesmo estúpida demais. Tantos homens e nenhum pra perceber que ela precisa de mais que apenas um pênis? São como cães no cio. Brigam uns com os outros sem se preocupar que o verdadeiro páreo é agradar a fêmea. Sentia pena de Silva, mas nunca serei tão bonito e assediado, então não posso dizer que a entendo, tinha olhos lindíssimos, grandes e redondos, de um castanho mágico, não era claro e não era escuro, mas eram olhos muito, muito tristes. Sentia vontade de me matar quando olhava no fundo deles por muito tempo. Grandes olhos expressivos e cheios de choro contido... Sempre me derretia diante deles, sempre me desfazia em mil.

Mas esse tipo de força da natureza, selvagem, sempre me fascina. Silva me fascina, sempre fascinou, sempre fascinará. Me fascina e me mata. E me faz rodopiar a 160 km/h. E me arrasta a matar o serviço mais uma tarde, mais uma noite, mais uma vez antes da última para vagar por aí... A espera de mais uma surpresa boa.