VITÓRIA
VITÓRIA
Trabalho na roça é serviço pesado, mesmo para os mais experientes. Mais ainda para uma criança de treze anos, como Guilherme que era obrigado a trabalhar por exigência do padrasto. Como Guilherme sentia falta do pai, seu Artur, que falecera há alguns anos. Fora por causa dele que ele estudava, sempre tinha seu apoio.
Desde que sua mãe ajuntou-se com Jorge, sua vida mudou. Além de trabalhar no sítio, por imposição de Jorge estava sempre recebendo ameaça de que iria tirá-lo da escola.
-Acorda Guilherme, não temos tempo para sonhos. Você quer ser médico, mas é muito burro. Não serve para nada. Estou pensando seriamente em tirar você da escola para vir trabalhar cedo também.
Guilherme sentiu o baque. Revoltou-se.
Ao voltar para casa, não quis comer e correu direto para o seu quarto e se trancou.
- O que você fez para o menino, Jorge?
- Eu? Nada.
Levantou-se e foi conversar com ele. Contou tudo para a mãe.
- Não se preocupe. Eu não vou deixar que isso aconteça, nem que tenhamos que ir embora daqui.
Voltou à mesa e falou ao marido.
- Você ameaçou Guilherme de não deixa-lo ir à escola?
- É preciso. Tenho muito serviço no sítio..
- Se você fizer isso vou embora com ele.
- Não tem coragem.
- Tente para você ver.
- Aliás, vou amanhã mesmo fazer isso.
Anita tomou a decisão nessa hora.
A diretora do colégio se surpreendeu.
- Você não pode fazer isso. Ele vai indo bem na escola. É um pecado o que você vai fazer.
- Estudo não enche barriga. Eu preciso dele na roça.
Ao voltar para casa foi logo gritando.
- Zé, vamos trabalhar.
Não obteve resposta. Entrou na casa e foi procurar mãe e filho. Não os encontrou em lugar nenhum. Foi aos quartos e viu que as roupas não estavam nele.
A irmã os recebeu muito bem em sua casa. Era uma casa modesta, mas aconchegante.
- Entre e fiquem à vontade.
Notou que eles tinham vindo com seus pertences.
- O que aconteceu, Anita? – perguntou Estela.
Anita contou toda a história para a irmã.
- É um absurdo o que você está me contando. Podem ficar aqui o tempo que quiser.
- Mas vai ser por pouco tempo.
- O que você está pensando fazer?
-Vir embora para cá, por Guilherme na escola e trabalhar.Tem uma firma que está precisando de costureira, e vou atrás de serviço. Parece que eles pagam por produtividade, além de um salário fixo.
- E você Guilherme? O que quer?
- Quero estudar para ser médico. – disse em voz firme e determinada.
- E eu vou ajudar ele a realizar seu sonho.
- Você tem mais é que fazer isso, irmã. Se eu puder ajudá-la em algo, pode contar comigo.
- Só não quero que conte para o Jorge. Não sei como ele vai reagir.
- Não se preocupe. Mas eu fazer o seguinte: vou com vocês para ajuda-la. Enquanto você vai atrás do seu emprego eu vou ver a escola para o Guilherme e em alguns dias tudo estará acertado.
- Não sei como agradecer. Aceito sua ajuda.
- Irmã é para isso.
Estela conhecia tudo ali e bem relacionada conseguiu uma transferência de escola para o Guilherme, que logo foi mostrando sua Inteligência e facilidade para aprender tudo que passavam. Para um menino que não tivera um ensino normal, era muito importante o seu desenvolvimento. E os professores lhe dariam essa oportunidade.
Pouco a pouco eles foram se acostumando com a cidade. Anita no seu emprego estava animada e Guilherme, na escola, ia muito bem, até chamando a atenção de alguns professores. Carla era uma delas.
Ficou impressionada com Guilherme e o quanto se esforçava.
Um dia chamou Guilherme para uma conversa.
- Guilherme, você gosta muito de estudar, não é?
- Muito. Embora seja pobre, minha mãe disse que vai fazer tudo para eu conseguir. E eu acredito.
O tempo passou. Guilherme já um rapaz feito, acabara o ensino médio e agora se preparava para o vestibular. Frequentava um cursinho feito para os que precisavam, sem pagar nada.
E Guilherme era, mais uma vez, um dos melhores da classe.
Carla, a professora dele no ensino médio acompanhava sua evolução nos estudos. Seu marido Jairo, médico importante na cidade, também acompanhava com interesse o caso.
Quando souberam que Guilherme passara no vestibular de medicina em primeiro lugar, tomaram a decisão.
Foram até a casa de Anita, ao entrar na varanda escutaram parte da conversa de mãe e filho, já que a porta estava semiaberta.
- Fiquei muito feliz de você ter passado, mas agora é que vem o problema. Onde vou arranjar o dinheiro para você fazer o curso?
- Eu sei mãe que a vida é difícil e reconheço que a senhora está fazendo o possível. Vamos ver no que vai dar. Deve haver um jeito.
Levantou-se para sair e encontrou Carla e seu marido na varanda.
- Professora, a senhora aqui? É o seu marido?
- É o Jairo, Guilherme. Meu marido. Ele é médico, como você quer ser.
- Mas está tão difícil.
A mãe apareceu e foi cumprimentando os visitantes.
- Muito prazer, Anita.
- Queremos conversar com vocês. Pode ser agora?
- Vamos entrar.
Puderam notar que era uma casa simples, uma sala pequena com uma pequena televisão do lado, um violão na parede, mas muito bem cuidada e muito limpa.
- Vão entrar em minha casa? É tão modesta!
- Mas é convidativa.
O marido começou a falar.
- Tenho um filho que se forma este ano em medicina, vai fazer residência e vai seguir o seu.
Caminho. Batalhou para chegar aonde queria, muito esforçado, como o filho da senhora. Queremos, se a senhora permitir, pagar todo o estudo da faculdade para ele. Livros, material para o curso, tudo o que precisar. Está de acordo?
Anita perdeu a fala e começou a chorar abraçada ao filho.
- É por Deus que existe gente boa nesta terra. Guilherme, você vai poder estudar filho!
Guilherme, com os olhos cheios de lágrima, abraçou a professora e Jairo e agradeceu muito.
- Vocês não vão se arrepender, Vou aproveitar cada minuto do meu tempo.
- Eu sei que vai, você é muito inteligente. Vai ser como um filho para nós.
A alegria se fez notar pelo sorriso do Guilherme, pois agora iria realizar o seu sonho.
O tempo cuida de fazer que as coisas tomem seu rumo.
Guilherme, como sempre, com sua garra de vencer, fez com que ele se destacasse no curso, e após seis anos de batalha foi receber o seu diploma. Feliz a mãe, felizes os pais adotivos. Muita festa para comemorar.
Guilherme, com humildade, chegou perto dos padrinhos e lhes disse:
- Muito obrigado pela ajuda. Agora eu quero retribuir, pois eu considero vocês meus pais também.
Os três se abraçaram, ele chamou a mãe, os quatro ficaram ali, abraçados e agradecendo a Deus pela conquista.
Jorge, o padrasto estava inquieto. Começara a sentir dores no peito e a cada dia parecia que aumentava mais. Não tinha forças para lutar. Chiquinho, o repórter da cidade de, veio com uma notícia que não traria graça nenhuma para o Jorge.
- O Guilherme se formou em medicina. Saiu nas folhas do jornal.
- Não me fale desse moleque. Foi ele o culpado de eu estar assim.
E de repente despencou, estirando-se todo. A dor no peito foi grande e ficou entre a vida e a morte. Chiquinho, muito esperto e ligeiro, saiu correndo em busca de ajuda. Chegando na cidade avisou os plantonistas do plantão, que logo pegaram a ambulância e o levaram direto ao pronto socorro. Na maca foi direto para a sala de cirurgia. O médico que o estava atendendo era jovem, recém saído da Faculdade, estava de plantão nesse dia. Ao chegar ao centro cirúrgico foi logo cuidando do paciente. A operação seguiu muito bem, e para satisfação do médico havia salvado uma vida.
Manhã chuvosa na cidade de Feliz. O médico foi fazer sua visita aos seus pacientes e o primeiro a ir visitar foi o que ele havia operado.
O paciente estava consciente e foi fazer uma pergunta ao doutor. Ao querer começar a falar, lhe disse:
- Descanse. Outra hora nós conversamos, seu Jorge.
Tinha a impressão de que já conhecia o médico, mas não se lembrava de onde. Conversando com a enfermeira, perguntou o nome do doutor.
- O nome dele é Guilherme, e tem uma história muito bonita de vida. Muito inteligente, foi com que adotado por um casal de médicos e se formou este ano.
Jorge agora entendeu que aquele que chamava de burro e que não servia para nada, havia salvado a sua vida.