O PRESENTE
O PRESENTE
Alfredinho era o único que poderia ser considerado o “último dos moicanos” no cargo de “auxiliar de serviços gerais”, naquela empresa. Depois elevado para “chefe dos auxiliares de serviços gerais”, que por assim dizer, dele mesmo.
No setor era conhecido também como “passador de listas de presentes para funcionários”, aqueles que saem da empresa e ele acha que devem levar um presentinho como recordação.
E para ele, agora que chegava seu dia de se despedir, quem passaria a tal lista? Notou que ninguém se manifestava. Resolveu, então, agir por conta própria: fez a tal lista e começou a passar entre os funcionários, com o seguinte dizer: “para o Alfredinho como lembrança marcante de sua passagem por esta empresa com votos de muitas felicidades”. E começou a passar, funcionário por funcionário, a iniciar pelos que ele considerava “opulentos”. Os da alta gerência seriam os primeiros.
Mas o resultado começava a não agradar o Alfredinho. Será que seriam tão muquiranas assim? Eles olhavam aquela lista, deixavam-na de lado e diziam “depois eu vejo”. Até o aprendiz de serviços indispensáveis – agora era aprendiz – ameaçou de colocar cinquenta centavos, mas desistiu. “Até tu, garoto! Ingrato!” – pensou com ele mesmo.
Após todos esses anos nunca vira tamanha injustiça.
Foi para casa magoado e cabisbaixo, como se tivesse sido mandado embora da firma por justa causa.
Chegou a casa e comentou com a mulher o ocorrido.
- Calma Alfredo. Pode ser que lhe queiram fazer uma surpresa.
- Você acha? – perguntou ele mais animado.
- Claro. Só pode ser isso. Depois de tanto tempo é impossível que fossem agir dessa maneira com você.
Foi dormir mais tranquilo.
No dia seguinte, chegando ao trabalho, notou que o ambiente não mudara, e era seu último dia. Desapontado passou a ajeitar as suas coisas, o que fazia com aperto no coração.
- Seu Alfredinho, por favor. Hoje é seu último dia nesta empresa, passe no RH para fazer o acerto.
- Sim senhor. Mais alguma coisa?
- Não, pode ir.
Não sabia o que fazer. Se ria ou se chorava.
Fim da tarde, o pessoal já tinha saído. Sozinho ficou ali observando a mesa na qual fora sua companheira por muitos anos.
Desceu para RH. Ao abrir a porta, levou um susto. Todo o pessoal reunido, cantando e jogando papel picado em seu Alfredinho. Era bolo, salgadinhos, refrigerantes para mostrar agradecimento ao grande amigo.
- Não sei o que dizer. Obrigado a todos.
- E agora, o presente. Seu Alfredinho, aqui está um lindo guarda-chuva, com cabo de madrepérola e um relógio moderno.
Olhou para o guarda-chuva e o relógio, agradeceu e despediu-se, dizendo que tinha um compromisso importante.
Ao sair olhou novamente para os presentes e viu na etiqueta: “Paraguai, made em China.” Revoltou-se. Ao sair da empresa viu um morador de rua passando por ali. Chamou-o.
- Não se cansa de ficar todo esse tempo na rua, parado e sem fazer nada?
- È muito cansativo. Mas acho que vai melhorar.
- Toma, pra você tem mais utilidade do que pra mim.
E saiu. Voltou para casa e começou a remoer em pensamentos.
Passado algum tempo bateram à porta. Foi atender. Era o morador de rua.
- Acho que você devia ler isto.
- O que é?
- É melhor você ver. É de onde você trabalha.
- Trabalhava. Aposentei-me.
- Não custa você ver. Estava dentro do guarda-chuva.
Aborrecido pegou o papel e começou a ler.
“Ao seu Alfredinho:
Após todos estes anos viemos lhe agradecer pelos anos de dedicação e honestidade com esta empresa. Soubemos do sonho que você tem que é o de ter um fusca vamos, agora, realizar seu desejo. É um fusca antigo, restaurado e do jeito que sempre quis. Ele vai ser entregue na festa de aniversário da empresa e esperamos, com muita alegria, fazer a entrega do veículo a você.
Nossos agradecimentos, desde já, por ter estado conosco todos esses anos.
De todo o pessoal.