O cabaré da Laura

Havia apenas duas prostitutas nele. Um cabaré fajuto, postado na beira do asfalto da rodovia praieira, a uns cento e trinta quilômetros de Maceió, a capital do Estado.

Quando passei em baixíssima velocidade à frente do botequim-cabaré, deu para perceber que havia nele duas mulheres falantes. A mais velha trazia enfiada na perna direita uma enorme úlcera de estase, descoberta, como que enfeitando suas velhas varizes. Estavam descuidadas as duas. Meu carro achou de quebrar logo ali em frente ao casebre descolorido, onde apenas existiam de natural e bonito, as folhas do coqueiral balançando ao vento, como se podia ver por cima do telhado, feito de telhas velhas, acinzentadas pelo descuido do tempo.

- Que porra aconteceu com teu carro, cara?

E essas foram as palavras mais delicadas que as vi pronunciar enquanto estive lá, por aproximadamente dezesseis horas. Na manhã do dia seguinte, parti às oito para nunca mais parar, voluntariamente, naquele pequeno recinto, mais para porcos do que mesmo para gente.

Tercila era a loira oxigenada da lesão na perna, dona do cabaré e a que mais trabalhava vendendo o corpo. Deu para perceber que ela era a mais procurada, não pela obesidade quase mórbida que carregava, mas por sua brabeza. Impunha medo aos simplíssimos pescadores e aos catadores de cocos da praia de Japaratinga, litoral alagoano.

- Vem pra cá! Quer uma cachaça pra esquentar os culodinos?

E eu lá sabia que os meus testículos tinham esse apelido? Preferi uma cerveja que, por sinal, chegou-me quase morna. Reclamei e ouvi dela a seguinte frase:

- Você ainda se banha em eu lhe oferecer essa porra, cara! Minha geladeira tá como minha perna, fodida! Tome se quiser. Tem quem queira!

Duas horas depois, o mecânico de Maragogi estava consertando meu carro. Uma pequena rachadura numa tal mangueira de transporte de combustível me fizera passar entre o sono e a vigília minha maior noite. Sentei-me numa das mesas do boteco e deixei que meus ouvidos ouvissem a malandragem falando por quase toda aquela noite.

Não sei ao certo, mas, até as duas da madrugada, contei passarem para o quartinho onde faziam suas relações sexuais, mais de quinze homens, naturalmente para se servirem das duas. Já eram mais de duas da madrugada quando o último entrou. Após ele, vi-a sorridente. Saiu do quarto apertando os cabelos com as mãos e arrumando-os em um cocó mal feito. Olhou-me, pediu para se sentar à mesa que eu ocupava e, antes mesmo que eu acenasse com algum consentimento, fê-lo.

- Ai, ai...

- Cansada?

- Feliz!

- Mesmo a essa hora e tendo trabalhado tanto?

- E então..., cansada, assada e feliz!

Falou-me de sua vida como se em mim, do lado de cá da mesa, estivesse um analista. Ouvi-a pacientemente até às quatro quando fui dormir dentro do carro, após falar com o vigilante, semi-embriagado, de uma pracinha pública a uns cinqüenta metros do local onde estava o meu carro. Prometeu olhá-lo e olhar-me, até o raiar do dia. Acertamos o serviço por vinte reais. Ficou feliz.

-Fui ofendida por meu padrasto quando tinha oito anos. Ele me lascou direitinho. Sangrei pela priquita e senti muita dor. Fiquei urinando com ardor por uns oito dias. Quando eu fui dizer para minha mãe o que ele havia feito comigo, ela arregalou os olhos e em seguida eu levei o primeiro murro na cara de minha vidinha de criança pobre, iludida pela miséria que me fazia acreditar que eu vivia! Em seguida, ela me derrubou, pôs seu pé direito em meu pescoço magro e gritou:

- Se você repetir essa história, cachorra, eu te mato! Ouviu bem?

Nem pude falar direito, dada a pressão que me fazia o pé dela em meu pescoço. Não demorou muito para eu acostumar-me a receber as suas visitas todas as vezes que mamãe ia à cidade fazer qualquer coisa. Ele dirigia o olhar, sorrindo, como se seu cinismo fosse maior do que o mundo ao seu redor. Eu nem resistia mais. Deixava-o aliviar os seus fluidos. Minhas lágrimas eram o meu orgasmo. O choro me fazia muito bem. E era o meu verdadeiro aliado nessas horas, principalmente as que se seguiam aos lances de judiação a que era submetida.

Eu podia enxergar, nos olhos de Tercila, o brilho de sua revolta interior. Ela destilava ódio enquanto falava. Batia na mesa com as duas mãos sem ter tomado nenhuma bebida alcoólica. Eu não sabia direito se ela falava ou gritava. Nem me importava. Queria mesmo era ouvi-la contar sua história tétrica, mas que não deixava de ser deveras interessante. Perguntei-lhe o porquê de ter saído tão feliz após servir o seu último cliente, depois de tantos outros recebidos durante a noite e parte da madrugada. Ela, evidenciando muita satisfação pela pergunta que fiz, dirigiu o seu olhar ao meu, cerrou os lábios, dobrou os braços, cruzou as pernas e como só se tudo o que lhe interessasse fazer fosse exatamente responder à minha pergunta, vendendo felicidade, disse:

- Era o meu padrasto, cara!

Olhei-a assustado, levantei-me de onde estava e fui para o carro esperar o sol e o mecânico chegarem. Vi que ela ficou chorando depois que saí. O seu mal parecia ter erupcionado em seu peito. A história de Tercila era perversa demais para ter um fim, como qualquer outra história vivida...