CIDADE NERVOSA
Saio às ruas do centro da cidade andando pelas avenidas com seus arranha-céus espelhados e concretos cinzentos e calçadas movimentadas num engarrafamento de vai e vem de gente de toda cor, peso e altura enquanto no asfalto o vai e vem são dos veículos impacientes com pedestres e sinais.
Sinal vermelho impede a pressa, a impaciência das máquinas andantes. Sinal verde abre e apressa os passos errantes na contramão.
Sol quente escaldante de um dia de verão sobre os coronários se faz quente, fervente, pressão alta ou baixa sangue quente transborda em suor nas faces estranhas e invisíveis para mim. Calçadas largas das avenidas e ainda assim não cabem os movimentos e encontrões dos pedestres. A tensão é grande porque as calçadas têm que ser divididas com os ambulantes que gritam e gritam pelo pão de cada dia. Observo o mascate com sua boca desdentada gritando que está tudo barato. Que barato!
Os pivetes imploram uns trocados entre uma esquina e outra. Alguns compadecem e dão outros cospem e olham para o chão. Em outros pontos da cidade na mesma avenida o furto é previsível ou não, mas, há correrias e espantos misturados de horror, medo e curiosidade. É mais um assalto do engravatado e um susto no furto dos pivetes a uma senhora aposentada. Os pivetes somem como se fossem relâmpagos no ar em frente aos guardas gordos e sonolentos. Fico imaginando se aquela senhora tem alguém...
De repente não mais que de repente numa esquina esbarro de supetão sem querer em uma mulher. O espanto ou susto foi mútuo.
Desculpe-me... Desculpe.
Naquele fragmento de segundos, o seu olhar negro me parecia de espanto e medo de mim misturados a um ódio incompreensível.
Parece não ter aceitado as minhas desculpas penso eu. Provavelmente deve ter pensado se tratar de um furto relâmpago, pois, ela segurou fortemente sua bolsa neste instante, deu para perceber que era uma bolsa velha, surrada. Seus pés feios e sujos mal cabiam em seu chinelo gastos; seu corpo esquelético vestia uma roupa surrada e remendada num estampado desbotado. Mas ela deve ter pensado: É um ladrão, pega o ladrão. Estremeci de medo. O que um ladrão em sua plena consciência, penso eu, roubaria daquela “infeliz” mulher?
Agora, ando preocupado olhando para todos os lados evitando esbarrar em alguém se é que é possível no centro da cidade.
A gentileza esvaneceu-se no ar. Parece ter perdido a graça e está fora de démodé.
Esquece: “Gentileza gera gentileza.”
Ao inverter meus passos ao contrário indo para não sei onde, observei aquela mesma mulher sentada na beira da calçada atrapalhando o tráfego congestionante de gente na Avenida Rio Branco no centro financeiro implorando seus trocados aos executivos enforcados em gravatas e apressados. Alguns compadecem e dão alguns trocados outros cospem e olham para o chão. Parei e pensei ainda por alguns instantes que aquela frágil, esquelética e mal vestida mulher deveria ganhar por dia talvez, o que eu ganho em uma semana sentado atrás de uma mesa de uma sala refrigerada de um prédio espelhado na Avenida Central. Bem, tomara que seja verdade.